sexta-feira, 18 de abril de 2014

Jesus de Nazaré, da Galileia, Belém e Jerusalém...



Quando viajo, não tenho o costume de ficar prestando atenção nas conversas dos meus vizinhos de poltrona. Entretanto, numa de minhas últimas viagens entre Fortaleza e Brasília não tive como não captar fragmentos da conversa que minhas 3 vizinhas de poltrona levavam. Primeiro porque elas conseguiram conversar ininterruptamente durante as duas horas e meia da viagem e depois, porque não falavam baixo.
 
A temática era sempre em torno de religião, igreja, suas ações missionárias e viagens e não pude deixar de ouvir quando uma delas, narrando empolgadamente uma viagem que fizera a Jerusalém se exaltou na descrição de sua experiência quase gritando: EU VI!!! EU VI!!! EU ACREDITO!!! Descrevia a visita ao Getsêmani e, provavelmente, outros locais santos da cidade.

Claro que não pude deixar de pensar na viagem que eu mesmo fiz à Terra Santa e como minha mãe, por exemplo, ficou um tanto decepcionada com o tratamento dado aos lugares santos para o Cristianismo. Também não pude deixar de comparar a certeza da fé da minha companheira de viagem com os muitos questionamentos sobre o “Jesus Histórico” levantados por Reza Aslan no livro Zelota, a vida e a época de Jesus de Nazaré.

Todo livro que trata de discutir a vida de Jesus de Nazaré pautado no “rigor da ciência” ou que se propõe a empreender a tal busca pelo “Jesus histórico”, será, na melhor das hipóteses, controverso. E o livro de Aslan não é diferente. Não a toa que minha sogra Zaína até começou a lê-lo, mas pouco antes de terminar o primeiro capitulo devolveu o exemplar reclamando que estava muito confusa e não queria mais. Minha mãe, outra católica convicta, sequer se dispôs a lê-lo. E não tiro razão das duas. O livro não é viagem para qualquer um.

Aslan se esforça por construir dos poucos fragmentos que dispomos deste período da história dos homens na terra a  imagem do Jesus histórico, o homem e suas condições de vida. E, desde logo alerta que não pretende discutir o outro Jesus, o Cristo, o Salvador. Mas não são todos que, sem grandes inquietações, conseguem separar um do outro, o Nazareno do Cristo.

Desde o início Aslan coloca sob o julgamento judicioso da história uma série de fatos que, por tradição bíblica, todos que fomos educados com auxílio do Novo Testamento, seja em casa, na igreja ou na escola, tínhamos como certo. É um texto instigante e muito interessante, ainda que muito fundamentado em especulações e analogias.

Para ficar em apenas um exemplo dos muitos que o autor apresenta, Aslan contesta a versão bíblica de que Jesus teria nascido em Belém. Para ele, o nazareno – que é assim chamado ao longo do texto sagrado – nasceu mesmo em Nazaré, onde viviam seus pais Maria e José e que não haveria razão para terem ido a Belém, uma vez que: (1) o único Censo que se tem noticia de ter sido realizado no período da ocupação romana em Israel aconteceu vários anos depois do nascimento de Jesus e (2) como o Censo era para arrecadar impostos, não fazia sentido cadastrar as famílias (ou seja, os contribuintes) com base no lugar de onde elas procediam, mas sim, onde elas produziam suas riquezas.

Especula então o autor, que o nascimento do menino Jesus em Belém responde à necessidade de convalidar profecias do Antigo Testamento que afirmavam que o esperado Messias do povo de Israel viria da casa de Davi e nasceria em Belém. Assim, para ele, nem Jesus nasceu em Belém, nem José e Maria fizeram tão sacrificada jornada, tendo permanecido na Galileia por quase toda sua vida.

O ponto central do argumento do livro de Aslan é que Jesus, o Nazareno, alcançou o destaque que alcançou porque conseguiu juntar na sua peregrinação pelas terras de Israel e Síria, a palavra revolucionária que teria aprendido de João Batista no período em que o acompanhou, com a ação prática de atender aos pobres, dando-lhes atenção e curando de seus males.

Para chegar a este ponto Aslan nos apresenta , com cores bastante realistas, a situação que vivia o povo de Israel naqueles anos: submetidos à opressão política do governo de Roma; explorados economicamente pelos Sacerdotes do Templo, em uma aliança com os romanos considerada espúria pelos próprios judeus; e, enfrentando períodos de seca em que a fome grassava.

É neste ambiente que surgem os muitos messias que viriam para libertar o povo de Israel do jugo romano e resgatar trono de Davi. É também o caldo de cultura necessário para começar um movimento político que só se consolidaria depois da morte de Jesus: o dos zelotas ou zelotes. A origem do nome derivaria do zelo com que essas pessoas tratavam as coisas sagradas para o povo de Israel, especialmente o Tempo e a Lei.

Para Aslan, Jesus, tendo visto a exploração e o sofrimento do seu povo no período em que vivia na Galileia, tendo ouvido a mensagem de João Batista e a ela aderido, resolve depois da sua morte nas mãos de Herodes Antipas – não preciso dizer que Aslan contesta a veracidade da história que Salomé teria seduzido o rei para que este entregasse a ela a cabeça de João Batista em uma bandeja – começar, ele mesmo, uma ação missionária e evangelizadora junto ao seu povo.

O autor nos conta que naquele tempo eram comuns os profissionais que, a preços nem sempre módicos, vagavam de vila em vila oferecendo cura aos males físicos e espirituais das populações. Naquela época, quase toda doença tinha uma explicação mística, assim, aliviar os sintomas de doenças e expulsar demônios dos coitados eram fases de um mesmo processo de cura. E Jesus seria um desses profissionais. Com uma singela diferença: ele fazia de graça, bastava que as pessoas ouvissem sua mensagem.

Logo, logo multidões saiam em busca do homem que tratava dos pobres e falava dos problemas que elas enfrentavam em uma linguagem que lhes era próxima e compreensível. Aslan especula que João Batista teria formação erudita, diferente de Jesus que provavelmente era analfabeto. Assim, enquanto João e os sacerdotes e escribas falavam em hebraico, a língua dos eruditos, Jesus falava o aramaico que era a língua do povo e tinha passado por tudo o que aquelas pessoas passavam, ele também, filho da pobreza da Galileia.

Jesus, ainda segundo o autor, teria clara noção dos riscos que corria. Antes dele e de João Batista, muitos tinham ido ao povo com a mensagem da chegada do messias e do reino de Israel – que para Aslan não era um reino dos céus, mas um reino terreno – e foram considerados traidores revolucionários e levados à morte. Em geral, a morte que Roma destinava aos que participavam de qualquer tipo de sedição contra o império era a crucificação.

Por isso, a maior parte do tempo em que passou pregando, Jesus teria evitado os grandes centros urbanos da Galileia até que sua fama superou os limites da província e ele julgou ser a hora de enfrentar aqueles que ele considerava os grandes traidores do povo de Israel, os sacerdotes e outros guardiões do Templo. E aí sua decisão de ir a Jerusalém.

Também as muitas passagens dos Evangelhos sobre a estada de Jesus em Jerusalém, segundo Aslan, é marcada por contradições históricas. Delas destaco uma que achei curiosa.
Para o autor Pôncio Pilatos jamais teria lavado as mãos, como nos conta o texto sagrado. Em um período de grande turbulência na região, Pilatos conseguiu ficar por mais de 10 anos como o preposto de Roma em Jerusalém graças a uma aliança com Caifás, o Sumo Sacerdote, à frente de um governo tirânico e assassino, a tal ponto que a população de Jerusalém mandou carta ao Imperador protestando contra a crueza de seu governo e pedindo seu afastamento.

Para o autor Pilatos sequer se daria ou trabalho de ouvir um judeu – povo que ele desprezava – que estivesse participando de um movimento revolucionário contra Roma. Por muito menos que isto ele havia mandado massacrar centenas de pessoas na entrada do Templo. Para ele nem esse diálogo, nem a tal cena do “ecce homo”, nem a escolha de Barrabás (bar Abbas) teriam ocorrido. Esta passagem, especula, teria sido incorporada ao Novo Testamento depois que o cristianismo virou religião oficial do Império Romano. Como poderia ser esta, a mesma Roma a responsável por mandar matar o Cristo? Mas fácil botar a culpa nos judeus do Sinédrio!

O que o autor não consegue explicar é porque menos de 30 anos depois da crucificação de Jesus, como mais um revolucionário sedicioso, já se espalhava por toda Israel e logo pela Ásia Menor (graças à dinâmica atuação de Paulo) a crença na ressurreição do Cristo e a força da sua mensagem. Porque, de todos os zelotas do período, é sobre este único que 2000 anos depois ainda se fazem cultos, curas, guerras, livros, palestras e seminários? Ele até tenta responder à questão, mas o esforço é insuficiente.

Para meus companheiros de viagem, especialmente para minha mãe, insuficiente é a forma como Cristo e o cristianismo são tratados em Israel. Tentei mostrar a ela que em uma região onde predomina a disputa entre judeus e muçulmanos, as atenções para as questões do cristianismo e para as muitas igrejas de filiação cristã que ocupam o território de Jerusalém não poderiam ser lá muito grandes, mas ela não se satisfez, achou pouco.

A Galileia é, para os cristãos, a região onde mais se encontram referências à passagem de Jesus por Israel. A par da discussão sobre o local do seu nascimento, foi em Nazaré que ele teria crescido e alcançado a vida adulta. Foi lá que Maria o concebeu e, consequentemente, é ali que está a Basílica da Anunciação, construída sobre o local onde, de acordo com a tradição, o anjo Gabriel anunciou à Virgem a vinda do Messias. É uma igreja grande e moderna, que se sobrepõe a várias outras construídas em diferentes períodos da história do cristianismo em Israel.

Além do interesse religioso, chama a atenção, o fato de que morar em grutas ou cavernas era lugar comum na região naqueles tempos. De acordo com as pesquisas arqueológicas eram poucas as casas construídas como tal, em geral as famílias usavam as formações rochosas que existiam por ali como extensão de suas casas para armazenar produtos, guardar animais e, em muitos casos, como a própria casa. Assim, o nascimento de Jesus numa gruta não seria impossível, talvez até provável, fosse em Nazaré ou fosse em Belém.

Ao lado da Basílica está outra igreja – devotada a São José – construída sobre as ruínas de onde se acredita teria sido a oficina de trabalho do Pai de Jesus. Neste ponto, por exemplo, Aslan concorda com o Novo Testamento ao afirmar que se José era um tekton (artesão, carpinteiro, pedreiro, marceneiro e etc) e morador de Nazaré, provavelmente teria trabalhado boa parte da sua vida – quem sabe com a ajuda dos seus filhos – na vizinha cidade de Sepphoris, cidade que Herodes Antipas reconstruiu para transforma-la em sua primeira capital na Galileia.

Hoje as ruínas de Sepphoris formam um museu a céu aberto localizado a poucos quilômetros de Nazaré. Muitos dos peregrinos cristãos que seguem para Israel para um encontro com o Jesus Cristo – não o de Aslan, mas O Jesus que eles acreditam – provavelmente passam sem notar a cidade quando seguem para o Mar da Galileia partindo do aeroporto de Tel-Aviv.

Além de Sepphoris, bem perto de Nazaré está Canaã, a das bodas, onde Jesus teria realizado seu primeiro milagre ao transformar água em vinho, por pedido de sua Mãe. Para os que têm interesse em conhecer a pequena igreja construída no local onde o milagre teria acontecido é bom prestar atenção ao caminho: é muito fácil passar direto e nem perceber onde é o local, pois é muito mal sinalizado. Também é uma visita por desencargo de consciência, não achei uma parada imperdível.

Destino obrigatório para os que visitam Israel do Novo Testamento é o Mar da Galileia. O grande lago de água doce em torno do qual Jesus – o Nazareno e o Cristo – fez a maior parte de sua ação religiosa (ou política, segundo Aslan). Ali, ao redor daquele belo lago, Jesus encontrou seus apóstolos, os pescadores de peixes que ele prometeu tornar pescadores de homens e almas e foi em Cafarnaum, pequena vila de pescadores às margens do Mar da Galileia que fez a base para sua ação missionária.

Uma volta no Mar da Galileia pode começar por Tiberíades, que também foi construída por Herodes Antipas para abrigar sua segunda capital, quando se mudou de Sepphoris. É a maior cidade da área, com a melhor oferta de hotéis e resorts, que por ficar às margens do lago é hoje um balneário para os israelenses. Além dos hotéis a cidade também oferece algumas opções de bons restaurantes, píer e marinas para atividades náuticas e um calçadão às margens do lago. Apesar de tudo, confesso que a cidade não me impressionou muito.

Saindo de Tiberíades, para sua esquerda, contornando o Mar da Galileia o viajante passa por Tagbah, onde teria acontecido o milagre da multiplicação dos pães citado no Novo Testamento, também nas imediações, no topo de um morro, está a Igreja das Beatitudes, construída no local onde Jesus teria proferido o sermão das bem aventuranças. Logo adiante está Cafarnaum.

As ruínas de Cafarnaum são pequenas, mas merecem ser visitadas. Além de permitirem uma ideia de como seria a vida em uma vila de pescadores nos tempos de Jesus, a visita é rápida e bem organizada, com destaque para as ruínas de uma bela sinagoga de arquitetura helenística e a igreja – não tão bela, já que mais parece um disco voador – construída sobre as ruínas do que se acredita ter sido a casa de Simão, o Pedro. O passeio prossegue no sentido sul até chegar ao local no Rio Jordão onde João teria batizado Jesus.

Depois de contornar o Mar da Galileia o viajante pode seguir em direção ao sul do País, acompanhando o curso do Rio Jordão, tendo do outro lado da margem a Cisjordânia e a Jordânia. Ao longo de todo o trajeto irá se surpreendendo com a impressionante capacidade do povo de Israel de produzir frutas e verduras no meio de uma paisagem desértica. São muitas as ilhas de produção que verdejam sobre o branco amarelado do deserto da fronteira oeste do país.

Mais ou menos duas horas de viagem depois se chega às proximidades do Mar Morto e ao entroncamento que seguirá para Jerusalém. Ali, logo a esquerda, está a cidade de Jericó, considerada a mais antiga do mundo ainda habitada, com registro de ocupação humana há mais de 10.000 anos e mais baixa cidade do mundo, pois está a mais de 200 metros abaixo do nível do mar.

Tirando a curiosidade quanto a sua antiguidade, não há muito que ver por lá. Tem um teleférico que leva a um conjunto de igreja e mosteiro incrustado na encosta da Serra de Judá e algumas ruínas de um palácio que, provavelmente, pertenceu a Herodes.

Além disso, só a descoberta que, atualmente, no território da antiga Israel convivem dois países: o Estado de Israel e a Autoridade Palestina. E que, por mais estranho que possa parecer, o carro que alugamos em Tel Aviv não poderia entrar neste outro país! Nem em Belém, nem em qualquer outra cidade administrada pela Autoridade Palestina.

Vinte e poucos quilômetros adiante, depois de voltarmos a estar acima do nível do mar, chegamos a Jerusalém, uma metrópole com avenidas largas, ótimos serviços de transporte urbano, hotéis e shoppings de todos os preços e qualidades, isto sem falar, é claro, na cidade murada, a Jerusalém antiga, nosso principal objeto de interesse. Mas antes, um passeio nos seus arredores: Belém, o Monte das Oliveiras, entre outros.

Nos vários pontos de referência do cristianismo em Jerusalém e suas imediações a mesma sensação: gente demais. As igrejas, seja a da Natividade em Belém, seja a do Santo Sepulcro em Jerusalém – depois de fazer toda a Via Dolorosa – vem a sensação de que há gente demais para o pouco espaço. Isso, pelo menos para mim, comprometeu toda e qualquer possibilidade de alguma experiência transcendental, diferente da minha companheira de vôo que viu e acreditou!

Ademais, nisso dou o braço a torcer às queixas da minha mãe, a falta de um guia com experiência nas ruas da cidade e com conhecimento do Novo Testamento compromete o que se pode aproveitar da visita, uma vez que há pouca informação sobre a relação entre os locais e as passagens bíblicas. É fácil para o turista perder ou não compreender a importância de determinado local ou sua relação com determinada passagem da Bíblia,

Não bastasse isso, depois de 2000 anos de cristianismo, os locais considerados sagrados já foram objeto de inúmeras intervenções. Cada monumento, basílica ou igreja estão construídos sobre, pelo menos, outras duas de períodos anteriores: quase sempre, uma do período bizantino e outra do período das Cruzadas. Isso sem falar das disputas entre as denominações religiosas que fazem com que, em algumas situações, elas divirjam entre si, sobre o lugar onde “realmente aconteceu” tal evento. Com facilidade o visitante fica confuso.

Para os que não foram apenas em busca da Terra Santa Cristã outras atrações estão disponíveis tanto na velha como na nova Jerusalém. Há o famoso Muro das Lamentações, única parte do antigo Templo que sobreviveu a fúria romana quando da repressão à revolta judia no ano 60 d.C., há a mesquita de Omar ou o Domo da Rocha de enorme importância para os muçulmanos, há as muralhas e a interessante história da milenar Jerusalém, construída e destruída um sem número de vezes, isto sem falar nas atrações dos mercados de rua e da agitação de uma cidade que vive entre o presente e o passado.

As noites de quinta feira, que antecedem o shabat, são especialmente animadas e a Porta de Jaffa, principal entrada para a cidade murada de Jerusalém, fica movimentada com eventos e apresentações culturais que animam os visitantes e moradores até altas horas da noite. Mas no dia seguinte, especialmente a partir do horário do almoço, nada funciona, nem mesmo os serviços de transporte público. Assim, é importante atentar para os dias em que se pretende visitar as atrações da cidade.

Por fim, tanto para os que pretendem se aventurar na leitura de Aslan ou numa viagem a Israel, uma consideração: talvez nem seu conhecimento sobre a Bíblia, nem a força da sua fé sejam suficientes para aproveitar ao máximo o que ambos podem lhe proporcionar. Como disse no início, não é uma viagem para qualquer um!