Quem acompanha as eleições presidenciais americanas tenta decifrar este longo processo e complicado processo que envolve as primárias partidárias, as convenções e um processo eleitoral diferente do nosso em que democratas e republicanos disputam os votos dos estados em um colégio eleitoral, numa disputa que eventualmente pode eleger o candidato que recebeu menos votos populares.
Também fica sabendo da importância que alguns estados têm para a disputa seja por terem muitos delegados – como a Califórnia – seja por serem o fiel da balança quando as eleições são mais disputadas, como o caso de Ohio, a Flórida e, mais recentemente, a Geórgia. Mas nem sempre foi assim.
É o que nos conta James Chace no muito interessante livro 1912, Wilson, Roosevelt, Taft and Debs, the election that changed the Country (não achei versão em português), que como fica claro, trata da sucessão presidencial americana há mais de um século atrás, portanto antes da primeira guerra mundial e antes da limitação de no máximo uma reeleição a que os atuais presidentes se submetem.
Depois de exercer seu mandato como presidente até 1908, Theodore Roosevelt (não confundir com o da Segunda Grande Guerra, que era sobrinho dele) resolve apoiar a eleição de Wiliam Howard Taft, seu colega de partido e homem de confiança no Governo para sucedê-lo.
Em uma eleição sem maiores surpresas já que havia mais de 20 anos que um republicano não perdia uma eleição presidencial para os democratas, Taft ganha o pleito, assume o seu mandato, enquanto Roosevelt com seu espírito aventureiro vai explorar as florestas da África.
Entretanto, como costuma acontecer nas relações de sucessão, na medida em que Taft começa a imprimir sua marca na administração federal, os amigos e aliados do ex-presidente começam a se sentir incomodados e passam a estimular o seu retorno à cena política. Inicialmente Roosevelt resiste à ideia, mas aos poucos vai sendo convencido e se convencendo de que ele é “o cara” e que seu agora ex-amigo deveria abrir mão da candidatura reeleição e apoia-lo no pleito de 1912.
Claro que paralelamente a esta movimentação outros partidos e outros candidatos começam também suas movimentações, ainda que num primeiro momento sem grandes expectativas já que os republicanos mantinham essa serie histórica vitoriosa. Da parte dos Democratas, o governador do estado de Nova Jersey, Woodrow Wilson, começa a se organizar e a buscar dentro do seu partido os apoios necessários para sua candidatura, enquanto o partido socialista, bafejado pelos movimentos operários e o fortalecimento dos sindicatos se acha no auge político dentro dos Estados Unidos e se organiza em torno da candidatura de Eugene Debs.
O cenário para um grande racha dentro do Partido Republicano esta armado e o palco para o desfecho foi a cidade de Chicago, as margens do Lago Michigan.
A cidade dos ventos (Windy City) é a mais populosa do Estado de Illinois (terceira do País) com cerca de 2,7 milhões de habitantes e é uma cidade relativamente nova, já que só adquiriu esse status em 1837, depois que o governo americano expulsou os índios que viviam ali nas imediações do Rio Checagou (como chamavam os franceses) e apoiou o povoado que na época contava com cerca de 4 mil habitantes.
A partir daí Chicago se expandiu como centro de logística – na terminologia de hoje – uma vez que ao associar a navegação dos Grandes Lagos, com canais construídos interligando-os, e as estradas de ferro que dali partiam converteu-se em hub do desenvolvimento para todo o meio oeste americano, especialmente na sua porção mais ao norte, processo que chega ao seu auge durante a Guerra da Secessão Americana quando a cidade vira um dos principais polos de sustentação ao exército da União.
Em 1871 a cidade sofreu enorme abalo por conta do Grande Incêndio que devastou todas as ruas de sua área central e deixou de pé apenas a Chicago Water Tower (antiga caixa d´água da cidade), que hoje ainda podem ser visitados como testemunho do desastre e da capacidade de se reerguer dos seus cidadãos.
Hoje a cidade é uma das principais metrópoles americanas com muitas de suas principais atrações aparecendo nos filmes que são produzidos nas suas ruas: quem não se lembra da maravilhosa cena de “Os Intocáveis” em que o Elliot Ness tenta salvar a criança no carrinho de bebê que desce perigosamente as escadarias da Chicago Union Station enquanto troca tiros com os gansters de Al Capone ou das muitas imagens da famosa Sears Tower (hoje Willis Tower) que por muitos anos foi o prédio mais alto do mundo?
Estive por duas ocasiões em Chicago: na primeira vez, durante o inverno, junto com minha família, os filhos ainda pequenos, para visitar meu irmão e passar o Natal. Devo reconhecer que pouco aproveitei da cidade, fazia um frio medonho e a neve cobria toda a cidade, nos obrigando a correr de lugar fechado em lugar fechado. Divertido mesmo era, todo o dia pela manha, tirar a neve que cobria os carros a ponto de não conseguirmos reconhecer qual era o nosso e qual o dos vizinhos. Mas mesmo assim, foi divertido, especialmente porque era a primeira vez que os meninos viam neve em tanta quantidade.
Na segunda vez o clima era, literalmente, outro. Estava em viagem a trabalho e chegamos em plena primavera. Os dias ainda eram longos e pegamos dias de temperatura muito amena. Aí sim foi possível apreciar a beleza da cidade: em um passeio de barco ao longo do Chicago River, que parece um cânion formado por arranha-céus, apreciando a famosa arquitetura da cidade; na visita ao Navy Pier para tomar uma bud ou numa inevitável esticada nas lojas, bares e restaurantes da Magnificent Mile; ou ainda, nos passeios pelo Millenium Park, na visita ao Soldier Field ou por qualquer dos muitos parques que ficam naquela região.
Nesses dias primaveris era possível provar todos os sabores da cidade, com uma animada vida cultural, boa parte dela acontecendo gratuitamente nos vários espaços públicos existentes e apreciar as pessoas, especialmente os jovens, que se divertiam às margens do Lago Michigan em seus parques e praias lacustres.
Na minha imaginação, o agradável clima e a tranquilidade política que reinava da cidade, depois da reeleição de Barack Obama, contrastava com o calorento verão de 1912 quando aconteceu a famosa convenção republicana que, segundo James Chace, iria transformar para sempre a politica norte americana.
Já nos dias que antecederam o evento, os panfletos anunciavam que às três da tarde da quinta feira seguinte Theodore Roosevelt “andaria sobre as águas do Lago Michigan” se preparando para apresentar sua candidatura de oposição à do Presidente Taft, em clima de beligerância.
Analistas políticos previam que a convenção de Chicago seria uma combinação do Grande Incêndio, com o massacre da Noite de São Bartolomeu, a batalha de Boyne, a vida de Jesse James e a noite dos grandes ventos. Um cataclismo que anunciado para os republicanos e para a política nacional.
Apesar de gozar do apoio popular e da preferência do eleitorado republicano, o controle da máquina partidária falou mais alto e Ted Roosevelt acabou sendo derrotado. Em meio a denúncias de corrupção e manipulação da convenção, o derrotado não aceita o resultado, abandona o Partido Republicano e é aclamado candidato a Presidente na convenção do, até então, inexpressivo Partido Progressista, que também acontecia em Chicago!
O livro de Chace é muito gostoso de ler, especialmente para aqueles que, como eu, militam ou se interessam por politica. O texto, além de acessível, traz informações e análises que permitem ao leitor compreender as características da política americana no primeiro quartel do século passado e entender como o caráter dos políticos, suas idiossincrasias, podem ser decisivas em momentos de transformação histórica.
Todos conhecem o resultado das eleições de 1912: Wilson 42%, Roosevelt 28%, Taft 22% e Debs cerca de 6%. Depois de décadas fora do poder, a divisão entre republicanos e progressistas, somados à surpreendente votação dos socialistas (quase 1 milhão de votos, mais que o dobro de 4 anos antes, a maior votação de um socialista nos Estados Unidos até os dias de hoje!!!), garantiram a vitória dos democratas e colocaram Wilson na presidência da República.
Os ventos que sopraram às margens do Lago Michigan em 1912 acabaram o domínio político do Partido Republicano nas eleições presidenciais americanas e desde então os dois partidos passaram a se revezar no poder, com os republicanos elegendo Hoover, Eisenhower, Ronald Reagan, Trump e os Bush e os democratas elegendo nomes como FDR, Kennedy, Bill Clinton, Barak Obama e Joe Biden.
Como o livro é de 2004 o autor talvez nem imaginasse que os ventos de Chicago haviam transformado tão radicalmente a política americana que em 2008 o povo daquele país iria eleger pela primeira vez um presidente afro-americano, do Partido Democrata, que fez carreira política na cidade de Chicago e se notabilizou como Senador da República pelo Estado de Illinois: Obama.
domingo, 14 de fevereiro de 2021
Às Margens do Lago Michigan
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