Reputa-se a Mao Tsé Tung a afirmação de que “a política é uma guerra sem derramamento de sangue, e a guerra uma política com derramamento de sangue”, mas acredito que poucos viveram esta situação quanto Catarina de Medice. Isso, considerando a história narrada por Leonie Freida, no livro, Catarina de Medice, A Rainha que Mudou a França.
Oriunda da rica família que controlou Florença durante décadas, Catarina chegou à França em função de um arranjo político. O Rei daquele país tinha grandes interesses nas porções setentrionais da atual Itália, terras que também eram cobiçadas pelo Rei da Espanha e pelo Sacro Imperador, e para fortalecer os argumentos de suas pretensões territoriais achou por bem casar seu segundo filho com uma descendente da família da Toscana.
A jovem Catarina chegou à Corte Francesa ainda adolescente e, apesar da boa acolhida de seu sogro, logo se descobriu vítima de preconceitos, tanto por sua origem plebeia, como por ser italiana. Para piorar, o jovem príncipe com quem se casara nutria uma paixão, que manteria até sua morte, por uma mulher mais velha e mais experiente que ela, a viúva Diana de Poitier.
Como estratégia de sobrevivência Catarina se empenha em cair nas boas graças do sogro e, quando o Delfin, o herdeiro natural ao trono, falece, se vê ainda mais ameaçada pelas intrigas e disputas da Corte, agora que era potencial rainha da França. Até chegam a cogitar a anulação de seu casamento, pois sua família tinha caído em desgraça na politica florentina e vários anos tinham se passado e nada dela gerar herdeiros.
Mas Catarina não era facilmente derrotada. Tamanho seu empenho, que chegou a se esconder no quarto do marido para assisti-lo em plena ação com sua amada e entender o que eles dois estavam fazendo de errado. Se esta foi a razão ou não, o que se sabe é que depois da pesquisa, certamente muito dolorida, o casal real não parou mais de procriar, com Catarina dando ao seu amado Henrique II, dez filhos.
Catarina não tinha 40 anos quando, em um acidente em um torneio de Cavaleiros no pátio do Palácio, seu marido teve o olho trespassado por uma lança e a ferida, depois de infeccionar, acabou matando o Rei da França, deixando como sucessor seu adoentado filho mais velho, Francisco II, que na época contava com pouco mais de 15 anos.
É neste momento que Catarina sai das sombras. De imediato, expulsa da Corte a rival Poitier e seu grupo e, torna-se governante da França, reinando em nome de seu filho, se equilibrando entre os interesses das duas principais famílias da Corte: os Burbons, primos dos Valois, príncipes de sangue; e os Guise, nobres menores, mas com uma ambição e um apetite que, por meio de casamentos e arranjos, procuravam ampliar seus poderes e fortunas, ameaçando a continuidade da Casa de Valois.
A saúde frágil dos filhos fez com que Catarina tivesse não apenas um filho rei da França, mas três. Em sucessão, Francisco II, Carlos IX e Henrique III reinaram sobre a França, tendo a mãe como a principal conselheira e, no mais das vezes como a governante de fato.
Com sua habilidade política, em uma época que os partidos se contavam em função do número de soldados e armas que conseguiam arregimentar, Catarina assistiu sua amada França se dividir entre católicos e protestante, em uma sucessão de guerras religiosas que praticamente destruíram o país.
Os governos de Catarina, comandando a política do país entre um filho e outro, de palácio em palácio, nos levam por viagens por uma das regiões mais bonitas da França: o Vale do Loire. Pois era por aquelas paisagens que a Rainha e sua Corte passavam boa parte dos seus dias.
Nas vésperas de comemorar os 70 anos de meu pai, que foi festejado em Vichy, fizemos um maravilhoso passeio pelo Loire, partindo de Chartes em direção a Poitier, terra da rival de Catarina. A cidade, onde minha irmã estava morando por conta do mestrado, tem um centro histórico bonitinho e acolhedor. Com ruas pavimentadas em calçamentos de pedras bem polidas, igrejas góticas e romanas, o prédio da prefeitura no centro da praça, tendo à sua volta uma dúzia de lojinhas, restaurantes e bares nos arredores, servindo de excelente ponto para uma pausa na viagem.
Mas o ponto alto do passeio no Loire, que deve ser feito de carro e sem se preocupar com mapas, são os maravilhosos castelos que acompanham o curso do famoso rio. Blois, Amboise, Tours, possuem belos castelos e palácios que, durante o período de Catarina, foram testemunhas de encontros, Estados Gerais, conspirações, cercos e das intrigas que movimentaram a politica francesa do Século XVI.
Dentre eles e imperdível para o viajante está o Castelo de Chennonceau. Orginalmente o castelo era de propriedade de Diana de Poitier, um presente do apaixonado Henrique II. Quando o rei morreu e sua amante foi expulsa da Corte, Catarina tomou para si o castelo. Reformou-o, ampliou-o, construiu o maravilhoso salão de festas que se estende por toda a extensão da ponte que une das duas margens do Rio Cher, com suas impressionantes janelas e seu piso em mármores pretos e brancos.
Os aposentos da rainha também estão preservados, mas o observador atento não deixará de notar, provavelmente para desgosto de Catarina, que aqui e ali ainda se encontra a insígnia adotada pelo falecido marido durante o seu reinado, representando um H e um D entrelaçados, não permitindo Catarina apagar o amor que seu falecido nutria pela viúva de Poitier.
Em Blois o magnifico castelo abriga um interior bonito e suntuoso, valendo a pena visitar os aposentos da nossa heroína. Relativamente perto dali, está o impressionante castelo de Chambord, cuja escadaria helicoidal foi desenhada pelo próprio Da Vinci. O castelo foi construído por Francisco I, sogro de Catarina, para funcionar como seu pavilhão de caça, sendo pouco utilizado pela corte. A obra só foi concluída anos depois por Luis XIV, que o utilizou com maior frequência.
Há também os espetaculares jardins do Chateau de Villandry. O castelo em si não é lá essas coisas, mas os jardins são impressionantes e, se o dia estiver bonito, merece uma tarde inteira para aproveitar o ar puro e apreciar suas belas formas geométricas coloridas, formadas por centenas de flores e árvores.
Em Amboise, além do palácio debruçado sobre o Loire, alvo de sucessivas reformas que lhe deram uma arquitetura variada e eclética, aprende-se que o grande Leonardo da Vinci viveu ali seus últimos anos e que a curta distância de caminhada existe um interessante museu, com a reprodução dos diversos inventos e inovações pensadas pelo gênio da renascença.
É também esta cidade que dá nome a um dos eventos que marcam o início das hostilidades entre católicos e protestantes no período de Catarina. A chamada Conjuração de Amboise, uma tentativa de golpe, comandada pelos huguenotes para sequestrar Francisco II do controle dos Guise.
Entre os nomes que ainda tentavam manter o diálogo, o Almirante Coligny, vai despontando como o mais importante líder militar da facção protestante. Respeitado e temido por Catarina, querido pelo Rei, o Almirante foi, durante algum tempo, um dos principais mediadores dos muitos dos acordos, tratados e éditos patrocinados por Catarina na tentativa de apaziguar a tensão entre os dois partidos. Amante dos acordos, entretanto, ela não hesitaria em usar a força.
Isto porque, se o diálogo e os casamentos arranjados sempre foram prioridade na política de Catarina, ela nunca deixou de entender, como bem disse o líder comunista chinês, que política e guerra eram dois lados de uma mesma moeda. Assim, anos depois, sentindo que o recrudescimento do movimento protestante poderia ameaçar o trono de seus filhos, ela decide assassinar os principais líderes oposicionistas num evento que, para sempre, iria manchar seu nome na história.
Era 24 de agosto e, em mais uma tentativa de conciliar os interesses de católicos e protestantes, Cataria arranjou o casamento entre sua filha Margot e seu primo, o protestante Henrique II de Navarra, que por sua condição de potencial herdeiro ao trono francês, no caso da dinastia Valois não deixar sucessor, tinha importante papel de liderança no movimento religioso que abalava a nação.
Apesar da enorme desconfiança, milhares de protestantes se descolocaram a Paris, principal centro do conservadorismo católico, para as festividades. Temendo a força política e militar de Coligny, sem o conhecimento do Rei Carlos IX, Catarina ordenou o seu assassinato. Depois de uma primeira tentativa fracassada, que a obrigou expor ao filho o plano, centenas de católicos liderados pelo Duque de Guise, invadiram o palácio onde o almirante convalescia e o assassinaram, atirando o pobre homem pela janela e introduzindo no vocabulário mundial a palavra defenestrar (fenêtre é janela em Francês).
O assassinato do principal líder militar dos huguenotes despertou a fúria dos católicos parisiense e nas horas e dias que se seguiram à Noite de São Bartolomeu, milhares de protestantes foram assassinados, não apenas na capital francesa, mas em diversas cidades do país. Catarina iria, para todo o sempre, carregar a responsabilidade por este massacre.
Por outro lado, foi este movimento que a manteve no controle da política francesa, garantiu que quando seu segundo filho-rei morreu, a sucessão de Henrique III estivesse assegurada e que ela continuasse como a principal força da Corte até perto da sua morte, em janeiro de 1589.
Depois de quase 30 anos como governante de França, a morte, aos 70 anos de idade, poupou Catarina de saber que seu favorito, Henrique III, seria assassinado, poucos meses depois, não deixando sucessor. O huguenote Henrique II de Navarra, seu genro, casado com a Rainha Margot, iria sucedê-lo como Henrique IV e a casa Bourbon iria reinar a França por mais 200 anos, até que os ventos da Revolução Francesa iriam levar seus descendentes para a Guilhotina.