domingo, 20 de outubro de 2013

Ouro, emboabas e as Geraes...


Semana passada seguia no meu voo regular de Fortaleza para Brasília quando duas passageiras que estavam a caminho de Belo Horizonte me pediram sugestões para sua programação nas Alterosas. Além das dicas de praxe – Palácio da Liberdade, Pampulha, Savassi e etc... – sugeri que aproveitassem o fim de semana para conhecer Ouro Preto e as cidades históricas da região.

A antiga Vila Rica, capital das Minas Gerais até 1897 quando Belo Horizonte assumiu este papel, é o mais belo complexo arquitetônico do ciclo do ouro do Brasil.
Suas igrejas esplendorosas, o maravilhoso casario que nos acompanha no interminável sobe e desce das ladeiras da cidade e o conjunto de prédios históricos são a principal evidência da prosperidade e da riqueza que aquela cidade, encravada no meio de lindas serras, viveu durante o século XVIII.

Mas chegar até aquele ponto não foi tarefa fácil nem missão para fracos. É isto que nos conta o interessante livro Minas do Ouro, de Frei Beto, um romance histórico que narra a saga da família Arienim paralelamente com a história das Minas e homenageia os três séculos de fundação de Ouro Preto, Mariana e Sabará, comemorados em 2011.

Antes da derrama e do martírio de Tiradentes, o heróis da família Arienim, muito tiveram que fazer para merecer seu lugar na estória em questão. Fulgêncio, primeiro membro da família a protagonizar a narrativa de Frei Beto é um português que, como muitos outros, vem dar na cidade de Salvador em busca da riqueza fácil e que, depois de muitas decepções e dissabores, decide deixar tudo para tentar a sorte na busca de metais preciosos nos interiores do país.
Depois de várias missões fracassadas seu filho, Prudêncio, troca Salvador por São Vicente vai dar na nascente cidade de São Paulo dos Campos de Piratininga, junto com seu filho único Olegário. Este herda do avô a vontade de desbravar os sertões e um mapa das serras das esmeraldas onde ele esperava encontrar sua fortuna.

Ao descrever a aventura de Olegário e sua família de embrenharem-se pelos sertões o autor nos apresenta os verdadeiros construtores do que viria a ser a principal fonte de riqueza do império português no século XVIII, os destemidos bandeirantes paulistanos.
Homens rudes, sem qualquer educação, forjados na preação dos indígenas que depois eram vendidos como escravos, muitos deles mais bugres que lusitanos, mais ameríndios que europeus, abriram ao custo de muitas perdas e muitos fracassos as trilhas que por volta de 1690 resultaram no achado, nas imediações do pico do Itacolomi, daquela primeira pedra preta que logo depois se descobriria ser ouro.

Ao longo da história da família Arienim aparecem personagens que frequentaram nossos bancos escolares, como Fernão Dias, Anhanguera e Manuel de Borba Gato. Este último personagem destacado porque na ficção de Frei Beto é para ele que Olegário e seu filho Vitorino vão trabalhar na organização das frentes de exploração dos metais preciosos na região.
Foram Fernão Dias e Borba Gato que com seu espirito aventureiro, sua veia empreendedora e depois de se livrar do representante da coroa para as Minas Gerais, o Governador das Esmeraldas Don Rodrigo de Castel Branco, se perderam pelos sertões bravios da região participam das primeiras descobertas e da fundação das vilas e arraiais que vão dar origem as principais cidades da região.

Também direto dos livros da história para o romance de Frei Beto está a famosa Guerra dos Emboabas, uma série de conflitos armados entre paulistanos e portugueses pelo controle das minas e das atividades econômicas na região entre 1707 e 1709, quando a Coroa e governo eram tão distantes dos moradores da região, quando a lei e a fortuna.
Na descrição do autor, a “guerra era, de fato, uma disputa entre o negociante e o minerador. Mediam ferros, de um lado, a gente descalça de Borba Gato, os bandeirantes, a indiada iletrada, os negros cavadores de minas; do outro, reinóis, oficiais de El-Rey, baianos, comerciantes, agricultores, pecuaristas, e escravos mineradores liderados pelo genioso Nunes Viana”.

Os emboabas, apelido pejorativo dado aos portugueses por usarem calçados e roupas enfeitadas (algo como pinto calçudo) derrotaram os paulistas na batalha campal de Cachoeira do Campo, nas proximidades de Ouro Preto, nomearam Nunes Viana governador das Minas, desarmaram e expulsaram os paulistas da região.
Derrota que se tornou definitiva depois que as tropas emboabas comandadas por Bento do Amaral Coutinho, cercaram, capturaram e depois executaram cerca de 300 paulistas no episódio que entrou para a história como o Capão da Traição. O evento também é narrado no romance de Frei Beto que coloca mais um descendente dos Arienim bem no centro dessa confusão.

Hoje quem caminha pelos paralelepípedos da Praça Tiradentes, visita o Palácio dos Governadores, se impressiona com a beleza da Igreja de São Francisco e com a riqueza das peças do museu de arte sacra da Igreja de Nossa Senhora do Pilar ou vai prestar sua homenagem aos mártires da Inconfidência Mineira no prédio da antiga Cadeia e Câmara, que hoje abriga o Museu da Inconfidência, certamente não se lembrará da odisseia que foi trasladar aquele universo europeu para a densa mata atlântica brasileira.
Desse choque entre a cultura europeia e a rudeza dos sertanejos brotou a poesia parnasiana de Tomás Antônio Gonzaga, a arte barroca de Aleijadinho e a deliciosa comida mineira, que pode e deve ser saboreada nos vários e bons restaurantes da cidade na companhia da não menos deliciosa cachaça de Salinas.

A Ouro Preto de hoje é mais que o patrimônio mundial declarado pela UNESCO. É uma cidade cheia de vida, jovem e coalhada de estudantes. Seu carnaval é um dos mais animados das Minas Gerais e nas noites da cidade são inúmeros os bares e botequins com música de qualidade ou festas animadas. Para os realmente jovens (no corpo e no espírito), tem sempre a opção das festinhas nas repúblicas universitárias que costumam varar as madrugadas com muita animação.
Da minha parte, prefiro os passeios diurnos, as visitas às igrejas, museus, às antigas áreas de mineração, um passeio até Mariana e que tais.

Se o tempo permitir, na volta para BH, vale a pena passar por Congonhas do Campo. A esplanada em frente ao Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, com as maravilhosas esculturas em pedra sabão dos 12 profetas de Aleijadinho, nos dá a certeza de que, assim como os argonautas, os bandeirantes e emboabas também foram guiados pelas mãos nem sempre gentis dos deuses das artes e da fortuna.