Semana passada seguia no meu voo regular de Fortaleza para Brasília quando duas passageiras que estavam a caminho de Belo Horizonte me pediram sugestões para sua programação nas Alterosas. Além das dicas de praxe – Palácio da Liberdade, Pampulha, Savassi e etc... – sugeri que aproveitassem o fim de semana para conhecer Ouro Preto e as cidades históricas da região.
A antiga Vila Rica, capital das Minas Gerais até 1897
quando Belo Horizonte assumiu este papel, é o mais belo complexo arquitetônico
do ciclo do ouro do Brasil.
Suas igrejas esplendorosas, o maravilhoso casario que
nos acompanha no interminável sobe e desce das ladeiras da cidade e o conjunto
de prédios históricos são a principal evidência da prosperidade e da riqueza
que aquela cidade, encravada no meio de lindas serras, viveu durante o século
XVIII.Mas chegar até aquele ponto não foi tarefa fácil nem missão para fracos. É isto que nos conta o interessante livro Minas do Ouro, de Frei Beto, um romance histórico que narra a saga da família Arienim paralelamente com a história das Minas e homenageia os três séculos de fundação de Ouro Preto, Mariana e Sabará, comemorados em 2011.
Antes da derrama e do martírio de Tiradentes, o heróis
da família Arienim, muito tiveram que fazer para merecer seu lugar na estória em questão.
Fulgêncio, primeiro membro da família a protagonizar a narrativa de Frei Beto é
um português que, como muitos outros, vem dar na cidade de Salvador em busca da
riqueza fácil e que, depois de muitas decepções e dissabores, decide deixar
tudo para tentar a sorte na busca de metais preciosos nos interiores do país.
Depois de várias missões fracassadas seu filho,
Prudêncio, troca Salvador por São Vicente vai dar na nascente cidade de São
Paulo dos Campos de Piratininga, junto com seu filho único Olegário. Este herda
do avô a vontade de desbravar os sertões e um mapa das serras das esmeraldas
onde ele esperava encontrar sua fortuna.
Ao descrever a aventura de Olegário e sua família de
embrenharem-se pelos sertões o autor nos apresenta os verdadeiros construtores
do que viria a ser a principal fonte de riqueza do império português no século
XVIII, os destemidos bandeirantes paulistanos.
Homens rudes, sem qualquer educação, forjados na
preação dos indígenas que depois eram vendidos como escravos, muitos deles mais
bugres que lusitanos, mais ameríndios que europeus, abriram ao custo de muitas
perdas e muitos fracassos as trilhas que por volta de 1690 resultaram no
achado, nas imediações do pico do Itacolomi, daquela primeira pedra preta que
logo depois se descobriria ser ouro.
Ao longo da história da família Arienim aparecem
personagens que frequentaram nossos bancos escolares, como Fernão Dias, Anhanguera
e Manuel de Borba Gato. Este último personagem destacado porque na ficção de
Frei Beto é para ele que Olegário e seu filho Vitorino vão trabalhar na
organização das frentes de exploração dos metais preciosos na região.
Foram Fernão Dias e Borba Gato que com seu espirito
aventureiro, sua veia empreendedora e depois de se livrar do representante da
coroa para as Minas Gerais, o Governador das Esmeraldas Don Rodrigo de Castel
Branco, se perderam pelos sertões bravios da região participam das primeiras
descobertas e da fundação das vilas e arraiais que vão dar origem as principais
cidades da região.
Também direto dos livros da história para o romance de
Frei Beto está a famosa Guerra dos Emboabas, uma série de conflitos armados
entre paulistanos e portugueses pelo controle das minas e das atividades
econômicas na região entre 1707 e 1709, quando a Coroa e governo eram tão distantes
dos moradores da região, quando a lei e a fortuna.
Na descrição do autor, a “guerra era, de fato, uma
disputa entre o negociante e o minerador. Mediam ferros, de um lado, a gente
descalça de Borba Gato, os bandeirantes, a indiada iletrada, os negros
cavadores de minas; do outro, reinóis, oficiais de El-Rey, baianos,
comerciantes, agricultores, pecuaristas, e escravos mineradores liderados pelo
genioso Nunes Viana”.
Os emboabas, apelido pejorativo dado aos portugueses
por usarem calçados e roupas enfeitadas (algo como pinto calçudo) derrotaram os
paulistas na batalha campal de Cachoeira do Campo, nas proximidades de Ouro
Preto, nomearam Nunes Viana governador das Minas, desarmaram e expulsaram os
paulistas da região.
Derrota que se tornou definitiva depois que as tropas
emboabas comandadas por Bento do Amaral Coutinho, cercaram, capturaram e depois
executaram cerca de 300 paulistas no episódio que entrou para a história como o
Capão da Traição. O evento também é narrado no romance de Frei Beto que coloca
mais um descendente dos Arienim bem no centro dessa confusão.
Hoje quem caminha pelos paralelepípedos da Praça
Tiradentes, visita o Palácio dos Governadores, se impressiona com a beleza da
Igreja de São Francisco e com a riqueza das peças do museu de arte sacra da
Igreja de Nossa Senhora do Pilar ou vai prestar sua homenagem aos mártires da
Inconfidência Mineira no prédio da antiga Cadeia e Câmara, que hoje abriga o
Museu da Inconfidência, certamente não se lembrará da odisseia que foi
trasladar aquele universo europeu para a densa mata atlântica brasileira.
Desse choque entre a cultura europeia e a rudeza dos
sertanejos brotou a poesia parnasiana de Tomás Antônio Gonzaga, a arte barroca de
Aleijadinho e a deliciosa comida mineira, que pode e deve ser saboreada nos
vários e bons restaurantes da cidade na companhia da não menos deliciosa
cachaça de Salinas.
A Ouro Preto de hoje é mais que o patrimônio mundial declarado
pela UNESCO. É uma cidade cheia de vida, jovem e coalhada de estudantes. Seu carnaval é um dos
mais animados das Minas Gerais e nas noites da cidade são inúmeros os bares e
botequins com música de qualidade ou festas animadas. Para os realmente jovens (no corpo e no espírito),
tem sempre a opção das festinhas nas repúblicas universitárias que costumam
varar as madrugadas com muita animação.
Da minha parte, prefiro os passeios diurnos, as visitas
às igrejas, museus, às antigas áreas de mineração, um passeio até Mariana e que
tais.
Se o tempo permitir, na volta para BH, vale a pena
passar por Congonhas do Campo. A esplanada em frente ao Santuário do Bom Jesus
de Matozinhos, com as maravilhosas esculturas em pedra sabão dos 12 profetas de
Aleijadinho, nos dá a certeza de que, assim como os argonautas, os
bandeirantes e emboabas também foram guiados pelas mãos nem sempre gentis dos
deuses das artes e da fortuna.
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