domingo, 25 de maio de 2014

Saulo, Saulo... Porque viajas?



Nunca me dei ao trabalho de especular de onde vem essa minha necessidade de viajar ou, parafraseando Renato Russo, sobre o porquê “dessa saudade que eu sinto, de tudo que eu ainda não vi”. Mas acredito que acabei de descobrir a resposta e, para variar, encontrei-a em um livro.

Descobri ao ler Paulo de Tarso, biografia de São Paulo escrita por Josef Holzner, um padre alemão falecido em 1947, em que o autor conta as inúmeras viagens do Santo de onde minha avó Dolores tirou o nome de meu pai – Paulo de Tarso – e de cuja tradição me tornei herdeiro, assim como o meu filho mais velho, também Paulo, só que Ernesto. Acho que é dele – do santo – que herdei essa minha vontade de conhecer lugares e pessoas.

O livro é um tijolaço de mais de 700 páginas que, diferentemente daquele em que o autor tenta contar a vida de Jesus a partir de elementos históricos, deixando para lá a questão da fé e da religião, o de Holzner parte de uma proposta completamente diferente. Sua principal referência é a Bíblia, especialmente os Atos dos Apóstolos e as várias epístolas escritas por São Paulo aos cristãos das muitas cidades onde ele ajudou a fundar igrejas.

Com base nesses documentos e em outras pesquisas, o autor vai contar a epopeia do homem que transformou o cristianismo de uma seita judaica em uma religião católica, a partir de uma abordagem histórico-psicológica, por assim dizer. Ou seja, em nenhum momento o autor questiona a inspiração divina do apostolado de Paulo, de seus companheiros ou quaisquer afirmações ou descrições contidas no Livro. Pelo contrário, toda vez que a narrativa bíblica ou a abordagem psicológica apresentam uma lacuna para a argumentação do autor, é na fé inquebrantável do santo, na intervenção divina ou nas inspirações do Espírito Santo que ele vai buscar a resposta para sustentar sua teoria.

Mas quem foi Saulo ou Paulo e porque tanto viajou?

Minha primeira descoberta foi com relação ao nome do santo. Sempre achei que ele se chamava Saulo (de origem grega) e quanto se converteu ao cristianismo, na estrada para Damasco, resolveu adotar o nome romanizado de Paulo. Mas, segundo o autor não era bem assim: vivendo em um mundo onde as culturas se mesclavam, o apóstolo adotava ambos os nomes uma vez que, sendo judeu, cidadão romano e filho da cultura helênica podia usar essa estratégia. Assim, dependendo da circunstância ou do local, podia ser Paulo ou Saulo.

E porque Saulo ou Paulo foi tão feroz perseguidor de cristo e dos cristãos?

A frase que sempre vem à mente quando penso no santo deve ter saído de algum filme que assisti em eras passadas: “Saulo, Saulo, porque me persegues?” Assim Jesus teria falado ao homem na entrada da cidade de Damasco, derrubando-o do cavalo e condenando-o a uma cegueira temporária, até que aceitasse Jesus como Senhor e Único Salvador.

O autor traz uma explicação psicológica para a questão. Na sua visão, Paulo – um judeu com erudição religiosa – sofria com a prisão da Lei e a sua incapacidade de nela se manter firme. Naquela época, o judaísmo vivia um período em que os rituais e as exigências decorrentes da obediência ao Templo e ao estrito cumprimento da Lei oprimiam de tal modo a vida das pessoas que elas passavam a maior parte do tempo se sentindo pecadoras, condenadas ao inferno. 

Com Paulo não seria diferente e ele teria sofrido com este aprisionamento e com o sentimento de impotência e incapacidade. Para diminuir seu sentimento de fracasso e sua sensação de culpa, o futuro santo dirigiu todo o seu rigor na repressão daqueles que contestavam a Lei, incluindo-se aí os seguidores do homem crucificado de Jerusalém.

O autor afirma que primeiro contato de Paulo com os ensinamentos (heréticos) de Jesus Cristo teria sido na sua primeira visita a Jerusalém quando assistiu a discussão entre Estevão e os membros do Templo, que acabou com a morte de Estevão apedrejado nas portas do lugar sagrado.

Tendo notícias que o cristianismo estaria se espalhando pelas várias comunidades judaicas no norte de Jerusalém, conhecendo a disposição de Paulo para viajar e sua forte adesão aos princípios da Lei, os membros do Sinédrio resolvem designá-lo para ir a essas comunidades e por fim à heresia. É numa dessas missões que acontece o encontro com Jesus às portas de Damasco e a sua conversão à fé cristã, que abrirá para ele um mundo de viagens e aventuras.

No primeiro momento, sem saber como proceder e, provavelmente, temendo regressar a Jerusalém como um converso ao cristianismo, Paulo resolve se refugiar na capital do reino dos Nabateus, Petra, um entreposto comercial encravado do meio de um desfiladeiro que, por conta do enorme fluxo de estrangeiros era muito tolerante, do ponto de vista religioso.

Depois de alguns anos de reflexão e perplexidade Paulo resolve que sua missão deve ser levar a “boa nova” do cristianismo para todos, não apenas para os judeus que moravam fora de Israel, mas para todos aqueles que estivessem dispostos a receber os ensinamentos de Cristo e aceitar a sua palavra.

Ao se apresentar aos “cardeais” do cristianismo em Jerusalém e convence-los de sua adesão ao Cristo, Paulo é designado para acompanhar Barnabé nas suas peregrinações pela Ásia Menor. Começa assim a primeira de suas quatro viagens nessa missão apostólica que o levará de Jerusalém a Roma, passando por Antióquia, Éfeso, Chipre, Tessalônica, Corinto, Cesareia e várias outras terras que acabaram se tornando conhecidas pelas muitas cartas que ele escreveu aos membros das igrejas que foi deixando em cada uma delas.

O texto de Holzner descreve cada uma dessas epopeias divinas, enfatizando a santidade de Paulo, sua obediência aos mandamentos de cristo e sua paixão pela missão que o Senhor lhe havia designado. Seu empenho em mostrar a unidade e coerência da missão de Paulo, faz com que mesmo as divergências e disputas com Tiago, Pedro e outros membros mais antigos da igreja que olhavam com desconfiança a adesão de não judeus ao cristianismo e exigiam o cumprimento da Lei, fossem tratadas como pequenas querelas sem maior importância.

O autor oferece ao leitor ótimas descrições das paisagens e das características dos povos das muitas regiões por onde Paulo viajou. Na maioria das vezes, ia a pé de uma cidade para outra, permanecendo em cada uma delas por temporada, pregando e trabalhando como tecelão – Paulo sempre tirou seu sustento da sua profissão – até que fosse denunciado, perseguido e expulso. Mais de uma vez sua missão de evangelizador colocou sua vida em risco e, não fosse a ajuda de amigos ou da providência, certamente não teria alcançado a idade madura quando foi finalmente condenado a morte em Roma.

Tantas foram as viagens de Paulo, tantas as cidades visitadas, que é difícil escolher uma delas para acompanha-lo.  Tempos depois da leitura do livro em questão estive em Petra, na Jordânia, e pude apreciar as magníficas construções encravadas nas pedras vermellhas daquela região desértica, que se outrora foi centro comercial de todo um reino, hoje vive da exploração de seu principal ativo turístico, redescoberto pelo mundo depois das aventuras de Indiana Jones.

Mas para homenagear sua terra natal, pode-se começar seguindo alguns de seus passos pela Ásia Menor. Nos mapas de hoje esta região está quase que totalmente compreendida pelo território da Turquia, então é para lá que vamos. Só que, ao contrário de Paulo, que partiu de Jerusalém para a região, fazendo uma rota da Ásia para a Europa, nossa viagem segue o caminho inverso.

O ponto de partida é Istambul, cruzando toda a península de Galipoli, para tomar o ferry-boat e atravessar o estreito de Dardanelos, entre as cidades de Eceabat e Çanakkale. É uma travessia de menos de 30 minutos, pois no Dardanelos a distância entre Ásia e Europa é de 1,2 quilômetros e, por isto mesmo, sempre foi um ponto estratégico nas guerras da região. Em 480 a. C., por exemplo, Xerxes fez o exército persa atravessar o Helesponto (como o estreito era chamado) fazendo uma ponte com seus barcos para invadir a Macedônia.

A poucos quilômetros de Çanakkale estão as ruínas da famosíssima Tróia, palco da guerra memorável que envolveu homens, heróis e deuses, sem falar no famoso estratagema do Cavalo, que os gregos adotaram para conseguir burlar a fortaleza troiana e invadir a cidade.
Se tais ruínas fossem nos Estados Unidos provavelmente teríamos uma “Disney helênica” explorando em todas as dimensões essa história mitológica, mas na Turquia o museu a céu aberto com as ruínas das muitas cidades sobrepostas é tímido, para dizer o mínimo. Para completar, no dia que visitamos as ruínas, chovia e a réplica do tal cavalo estava coberta por uma lona preta para restauro. Mas não dava para passar ali tão perto e não visita-la .

Concluída esta etapa da viagem – Paulo passou ali perto na sua segunda viagem, a caminho de Tessalonica – seguimos em direção a Selçuk, ali a decepção com Tróia foi superada pela precariedade do hotel que nos hospedamos, mas foi compensada, com sobras, pela maravilha que são as ruínas de Éfeso.

Mesmo antes de visitar a ruínas, duas atrações ligadas à história do cristianismo merecem ser visitadas. A primeira está na própria cidade de Selçuk, nas ruínas da antiga basílica cristã destruída durante o período das “reconquistas muçulmanas”: o túmulo de São João Evangelista. Segundo alguns pesquisadores ele teria sido enviado por Pedro para Éfeso para propagar a mensagem de Cristo consolidando a igreja que Paulo tinha iniciado. Outros estudiosos afirmam que além da missão evangelizadora, também coube a ele a tarefa de tirar Maria, a mãe de Jesus, de Jerusalém e protege-la até o fim de seus dias.

Por conta desta história vem a segunda atração, visita obrigatória para os cristãos: a casa em que, supostamente, Maria viveu seus últimos dias. O local é hoje uma área voltada para a peregrinação e contemplação religiosa e, diariamente, centenas de pessoas de todo o mundo vem visitar e orar pedindo a intermediação da santa. A capelinha construída sobre as fundações de onde teria sido a casa é simples, mas acolhedora, e o local convida mesmo à introspecção. Vale uma visita, com certeza.

Na volta desta visita, era hora de conhecer o espetáculo que é Éfeso. A cidade está praticamente toda lá, para ser apreciada, estudada e admirada. Os templos, a ágora, as casas onde pessoas moravam, os banhos e as latrinas públicas, suas ruas e avenidas, a impressionante biblioteca de Celso, o anfiteatro com capacidade para 25 mil pessoas, o porto e a avenida que dá acesso a ele, tudo, tudo permite ao visitante apreciar como seria a vida dos homens e mulheres daquela região no período que antecedeu o alvorecer do cristianismo.

Éfeso foi um dos principais centros do helenismo. Ali o famoso Pitágoras – aquele do teorema – fundou e manteve uma escola e Tales de Mileto, cidade próxima, também frequentou a cidade para se tornar conhecido como o pai da filosofia ocidental. No período romano a cidade se transformou no principal porto do Mar Egeu, fazendo florescer o comércio e intercâmbio na região, era rica, culta e próspera.

Depois da passagem de Paulo e João pela cidade, Éfeso se transformou numa das cidades do Império Romano onde o cristianismo mais se difundiu. Por conta de sua importância para a nascente religião, os dois primeiros Concílios da Igreja Católica (431 e 449 d.C.) foram ali realizados. No primeiro deles foi confirmado o dogma da maternidade da Virgem Maria e a dupla natureza de Jesus Cristo, como Deus e como homem.

De Selçuk seguimos rumo a Pamukkale – que em turco quer dizer castelo de algodão – uma linda montanha branca, com piscinas naturais de águas de um azul translúcido encravadas nas cascatas de formação calcária que resplandecem à luz do sol.

No caminho para Pamukkale, numa discreta saída à direita na rodovia, estão as ruínas de Afrodisias, outro dos interessantes museus abertos existentes na Turquia, este bem melhor organizado que o de Troia, diga-se de passagem. A cidade ocupava uma ampla área e muitos de seus equipamentos, como o templo de Afrodite, os banhos públicos, o anfiteatro e o estádio, evidenciam que os jogos e as festas que ali ocorriam eram capazes de atrair multidões de cidades e regiões próximas.

Não pude deixar de ficar imaginando – nesse período de grandes eventos no Brasil – como deveria ser desafiador preparar uma cidade pequena para receber 10 a 15 mil pessoas para um evento com todas as exigências de logística, serviços públicos, alimentação, segurança e etc, isto há mais de 2000 anos!

Chegando a Pamukkale e já alojados em um hotel decente, resolvemos subir a montanha a pé para descobrir que no topo estão as ruínas de Hierápolis, cidade da Frígia, fundada no Século II a.C, que tinha nas suas fontes de águas termais uma de suas principais atrações. Ali, na pérgola das milenares piscinas, onde gregos, romanos e bizantinos vinham para se tratar ou por lazer, aproveitamos para descansar da subida pelas encostas brancas da montanha tomando uma deliciosa taça vinho produzido ali na região de Denizli.

Além das enormes piscinas do balneário também vale visitar as ruínas do teatro romano que observa desde o alto, toda a cidade e o vale abaixo. Aqui também estão ruínas de ruas, moradias, templos e estruturas de defesa que dão ao visitante uma ideia de vida de então, bonita, mas nada que se comparasse com Éfeso.

Quando o sol começava a se por decidimos voltar, descendo a montanha e, mais uma vez, aproveitar a deliciosa sensação de molhar os pés em suas águas mornas. Se Pamukkale é bonita durante o dia, no fim da tarde então... A luz do entardecer na montanha de algodão produz um efeito multicolorido, capaz de tirar suspiros do menos sensível dos visitantes.

Dali do alto, contemplando a beleza da montanha multicolorida e seu contraste com o verde da planície aos nossos pés, é fácil entender porque alguns, como Paulo de Tarso, dedicam toda ela a viajar e propagar a palavra de Deus.

domingo, 11 de maio de 2014

Andaluzia Improvável




Em geral os livros e viagens que faço relação são frutos de agradáveis coincidências. De repente uma paisagem, um lugar ou uma situação me remetem a um livro ou, ao contrário, é a leitura que me faz lembrar uma cidade ou uma viagem. Assim nascem os textos.
Quando decidi conhecer a região da Andaluzia, na Espanha, minha “prima” Fátima me sugeriu ler A Mão de Fátima, de Idelfonso Falcones, certa que me daria uma visão geral da região e suas belezas e muito me ajudaria a melhor apreciar a viagem.
Realmente, a novela – que se passa na última metade do século XVI – é repleta de informações históricas e turísticas sobre a região. Mais importante: ela é de grande ajuda para compreender as particularidades de uma região que por mais de 800 anos esteve sobre o domínio dos mulçumanos e que, a partir século XIV, começou a ser reconquistada pelos cristãos.
A estória de A Mão de Fátima se passa nos últimos momentos desse período de conquista e tem como personagem central um jovem mulçumano de olhos azuis, filho de uma muçulmana que foi violentada por um padre católico, daí a cor dos olhos. Hernando, esse é seu nome, é educado na fé cristã pelos padres da cidade, educado no islamismo pelo seu mentor, Amid, e discriminado pela população da vila de Juviles, que o trata por Nazareno.
A mãe, depois que se descobriu grávida, foi obrigada a casar com um homem rude que, a troco de uma mula, aceitou conviver com aquela situação. Além de um casamento complicado, Aisha, a mãe, tinha que suportar as agressões e humilhações que o marido, chamado Brahim, submetia a ela e seu filho "impuro".
A vida de Hernando, seus familiares e dos moradores de Juviles e das Alpujarras é transformada quando os mulçumanos, não suportando a opressão cristã, se revoltam contra o Rei Felipe II e elegem Aben Humeya, nobre mourisco cujo nome espanhol era Hernando de Córdoba e Válor, Rei de Granada e Córdoba.
Durante o período que vai da coroação de Aben Humeya até o seu assassinato por seus subordinados, a maior parte das personagens importantes da novela vai aparecendo, incluindo-se aí Fátima, cuja mão será pivô da ferrenha disputa entre Hernando e seu padrasto.
Se o livro permite ao leitor uma visão muito interessante da Andaluzia, especialmente das regiões montanhosas do entorno de Granada e Córdoba, a história propriamente dita abusa da boa vontade do leitor. Me senti assistindo uma novela da Globo.
Explico melhor.
Qual a probabilidade de uma pessoa que nasce pobre em um lugar afastado, por pura sorte, ficar rica? Alguma. Qual a probabilidade desta mesma pessoa ficar pobre novamente e depois, também por puro acaso, ficar rica novamente e mudar completamente a sua condição? Agora, qual a probabilidade de isso acontecer com duas pessoas próximas ao longo de alguns poucos anos?
O problema da novela de Falcones é que para manter viva a disputa de Hernando e Brahin pelo amor de Fátima ele recorre a uma sucessão de altos e baixos, baseada em acasos e coincidências que faz com que a sorte mude de um lado para o outro. Assim, o improvável se torna lugar comum, ao mesmo tempo, a surpresa se torna previsível. Mais ou menos como as novelas da Globo: previsíveis e inverossímeis.
Mas reconheço que tem muita gente que gosta das novelas globais! Também a novela de Falcones agrada a muitos.
Como muitas das cenas da novela se passam nas regiões montanhosas da Andaluzia e como a sucessão de subidas e descidas da improvável trajetória de vida de Hernando, Fátima e Brahim me remete aos picos e vales das suas montanhas, em lugar de uma viagem a Granada, Córdoba ou Sevilha, que seria provável, preferi contar nossa aventura por essas áreas menos exploradas pelos turistas.
Assim, deixemos de lado a bela arquitetura em estilo mudéjar que ornamenta os muitos alcazares da região, a impressionante mesquita-catedral de Córdoba ou os produtos do secular embate entre cristãos e mouros e partamos para as terras montanhosas do Al-Andaluz.
Seguindo os passos de Hernando, Fátima e Brahim comecemos pelas Alpujarras, a região montanhosa que fica ao sul de Granada e tem como ponto alto – em sentido real e metafórico – a belíssima Serra Nevada.
É no ambiente rústico e, em certa medida inóspito das Alpujarras, que a opressão cristã e as dificuldades de sobrevivência dos muçulmanos encontram condições para a rebelião de Hernando de Córdoba y Válor.
Válor e Juviles, terras de nascimento dos dois Hernandos, estão situadas na região, assim como Berja e outras muitas localidades por onde as personagens transitam durante toda a primeira metade da novela.
Quando se chega a Granada já se vê, ao longe, a beleza imponente da Serra Nevada, mas é no caminho para o litoral, para Almeria, que se tem a oportunidade de ver mais de perto as Alpujarras.
As ótimas rodovias que hoje servem a região tiram do viajante a oportunidade de passar dentro das pequenas cidades que foram palco de sangrentos embates no longínquo século XVI, mas não conseguem apagar as belas e impressionantes paisagens da região.
Quando voltávamos de Almeria para Granada ainda tentamos arriscar passar pelo Puerto de La Ragua, uma passagem natural a mais de 2000 metros de altitude que desde os tempos mais remotos ligava essas duas províncias espanholas e que na novela é palco de importante acontecimento.
Entretanto, o clima não estava muito convidativo e temendo enfrentar estradas com neve sem pneus apropriados, acabamos desistindo.
Enquanto as Alpujarras passam ao viajante uma ideia de terra pouco explorada, a região de montanhas que separa Granada de Córdoba – por onde, segundo a novela, milhares de muçulmanos aprisionados quando sufocaram a rebelião foram obrigados a marchar e onde Fátima vê seu primeiro filho morrer em seus braços – é o exato oposto.
Não tendo picos ou vales tão acentuados como nas Alpujarras, as sierras Subbéticas, ao sul de Córdoba, estão totalmente ocupadas por atividades produtivas, especialmente pelos olivais. São hectares e hectares de oliveiras, eventualmente intercalados por pastos ou outras culturas.
Ao retornarmos de Córdoba para Granada optamos por um caminho alternativo que nos levou a esta região serrana, passando pela um tanto acanhada cidade de Priego de Córdoba. Aqui, a vegetação é de um verde mais intenso e profundo. Se fosse para comparar com nossa geografia: enquanto as Alpujarras me lembram das serras aqui do Ceará; as Subbéticas me lembraram da região serrana do Rio de Janeiro. Diferentes, mas igualmente belas.
Depois de muitas idas e vindas entre Granada e Córdoba, não as nossas, mas as das personagens da novela, Hernando e sua família são levados para Sevilha, agora como parte do expurgo dos mouros decidido pelo rei de Espanha ao descobrir que eles haviam conspirado com a Rainha Elizabeth I da Inglaterra contra o trono espanhol. Assim, nós também seguimos para Sevilha.
Ao sul de Sevilha está a Sierra de Grazalema e a região dos “pueblos blancos” ou povoados brancos, que são assim denominados pela impressão que causa ao viajante as várias cidadezinhas com suas casinhas brancas encarapitadas nos altos, quase sempre em volta de um castelo ou algum outro tipo de fortificação que em épocas passadas lhes garantiam proteção.
Ronda Vieja, a “capital” dos pueblos blancos é uma cidade não muito grande, situada no topo de um afloramento rochoso, com estreitas ruas de calçamento e uma grande tradição das touradas. A Plaza de Toros foi inaugurada ainda no século XVIII e é a cidade de nascimento de Pedro Romero, conhecido como pai das touradas modernas.
Por estar numa posição elevada, a cidade oferece um sem número de vistas de tirar o fôlego, seja da impressionante ponte que liga a parte antiga da cidade à parte mais nova, seja dos muitos miradores existentes, como os da Plaza del Campillo. Mas, o que realmente me chamou a atenção foi a arquitetura da igreja de Santa Maria La Mayor. Além de ter sido construída sobre uma antiga mesquita, entre outras coisas convertendo o minarete em torre do campanário, o balcão construído na lateral da igreja que dá para a pequena praça do Ayuntamento faz com que o igreja pareça a fachada de um palacete.
Diz a lenda que em tempos pretéritos, os nobres, clérigos e convidados ilustres que vinham para a cidade acompanhar os festejos religiosos e as corridas de touros ficavam acomodados, de camarote, nos balcões da igreja. Tanto assim que, quando a Plaza de Toros foi inaugurada em 1785, o bispado de Ronda teve direito a um “camarote” nas suas arquibancadas.
De Ronda até Marbella ou qualquer outra cidade da belíssima Costa del Sol toma-se uma estrada serrana cheia de curvas e paisagens exuberantes. Nem tão áridas quanto as Alpujarras nem tão frondosas quanto a vegetação das Subbeticas, a cada curva a paisagem da Sierra de Grazalema prepara o espírito para o maravilhoso contraste das suas formações rochosas com o azul-dourado do Mar Mediterrâneo e anuncia o fim da nossa viagem.
Depois de tantas curvas, tanto sobe-e-desce, tantas agradáveis surpresas improváveis desta Andaluzia montanhosa, nada como sentar-se em um bom restaurante em Puerto Banús e tomar um delicioso Tempranillo admirando a beleza do mar e a opulenta vida dos ricos e famosos da Europa.