segunda-feira, 18 de maio de 2015

O escritor que roubava livros ou...


Era sexta de manhã, eu estava tomando café com meus pais em Brasília, quando meu pai me passou o livro do Miguel Sousa Tavares que trouxera de viagem recente a Lisboa.
O livro chamava-se Não se encontra o que se procura e ele, ao me passar o volume, foi logo alertando: - Ainda não li este livro que trouxe de Portugal, mas sua mãe já leu e disse que parece muito com as coisas que você tem escrito no seu blog. (nada modestos, nem ele nem ela!!)
Eu já tinha lido o Rio das Flores e o maravilhoso Equador, ambos do mesmo autor, e olhando para aquela capa em tonalidades de azul aceitei sem pestanejar a oferta, ainda mais porque estava a caminho do aeroporto para encarar as duas horas e meia que separam a capital federal de Fortaleza e tinha terminado o livro que trouxera.
Não se encontra o que se procura não é um romance, não é uma biografia, é, talvez, um diário, sem o rigor que se espera de um diário. São lembranças, notas, críticas, percepções, pequenas histórias, relatos de viagens e comentários dispersos por meio do qual Miguel Sousa Tavares se revela para o leitor, mesmo que não fosse este seu objetivo original. Mas quem sabe, seja objetivo de todo escritor.
Quando comecei a leitura tive a impressão que o autor se propunha a fazer pequenos relatos de suas viagens, boa parte delas relacionadas às suas atividades profissionais – participação em feiras literárias, lançamentos de livros, palestras e etc. – e não pude deixar de pensar que o Miguel Tavares tinha me roubado o livro que minha irmã Lília tanto me estimula a publicar.
Logo na apresentação do livro está lá: “Eu quero viver para escrever, viajar para escrever, olhar para escrever, estar vivo para escrever. Quero a África, a Ásia, as Américas devorando-me a cabeça”. Não sou de recorrer a citações literais neste blog, mas não podia ser mais parecido com o que eu sinto quando sento em frente ao laptop nas tarde-noites de domingo...
Mas não ficou só aí.
Na medida em que comecei a viajar com o livro, passando por tantos lugares já idos, pela sua admiração por Brasília, sua paixão pelo Brasil, suas excursões por África, seu amor por sua terra natal e a quase onipresença de sua mãe nas viagens e memórias, comecei a pensar que havia escolhido erradamente o título para este texto. Em lugar de brincar como título da menina que roubava livros deveria brincar com o do seu conterrâneo, emprestando o título da obra de Saramago: O Homem Duplicado.
Parecia que estava lendo as memórias que eu pretendia escrever quando chegasse aos meus 60 ou 70... 
Como não pensar nisso quando a primeira viagem que Miguel Tavares fez para fora de Portugal foi para a Espanha com sua mãe e está lá, nas suas memórias, como estará nas minhas, a experiência de ser apresentado ao El Greco e seu Enterro do Conde de Orgaz na visita a Toledo.
Ali no capitulo seguinte ou logo depois, nas criticas que faz à nova lei do divórcio aprovada em Portugal fico sabendo das duas separações e três casamentos (!), sem preocupar com a interveniência da Igreja. Como também ao contar a sua viagem para Veneza, para onde já fui, descubro que são três os filhos, sendo o mais velho e o mais novo, os homens e a filha a do meio. Mais exclamações!!!
E as viagens?!?!
Depois de Toledo, do sucesso como jornalista e escritor, e depois que descobriu a paixão pela caça e pelo off-road (aqui nada nos une) um desfiar de ir e vir em aviões...
O Brasil é destaque, ao longo de todo o livro, com muitas idas e vindas: Rio de Janeiro, Angra dos Reis, Paraty, Búzios, Tiradentes, Congonhas do Campo, Ouro Preto, Brasília (com direito a um capítulo sobre a cidade), São Paulo (com almoço no Figueira), Palmas, até um off road entre o Ceará e o Rio Grande do Norte estão nas memórias que Tavares me antecipa. Mas não são só essas!
Visitar o Parque Kruger na África do Sul sofrendo ao ter que dirigir na mão inglesa e a necessária passada por Nelspruit, (onde quase atropelei uma bomba de gasolina); admirar-se com o encontro de mundos e povos da indecifrável Istambul (tomando um suco de romã); perambular por Roma, achar um restaurante sem turistas e se deliciar com a cidade que a cada esquina te surpreende. 
Tudo está nas minhas memórias e nas dele.
Aproveitar a Espanha, percorrendo os corredores do Prado ou os andares do Rainha Sofia; se embasbacar com a beleza estonteante da Alhambra, tendo o cume da Sierra Nevada a velar por Granada; ou, estando em Barcelona, olhar criticamente à obra demencial (na versão de Tavares) de Gaudí: a interminável Catedral da Sagrada Família (que parece que agora foi dada por finalizada!).
Isto sem mencionar a viagem para a costa da Croácia que abre o livro e que eu tinha planejado para este ano, mas que acho que vai ficar para 2016. E que certamente estará nas memórias que Tavares vêm antecipando, me roubando o livro.
Mesmo nas referências portuguesas, tantas dele e tão poucas as minhas, me reencontro com Viana do Castelo e suas belas ruas calçadas; com Évora e o almoço no Fialho, tomando um Marquês de Montemor; da passagem por Vila Nova de Gaia, ao retornar a Lisboa do Alentejo ou a vista do Estádio do Dragão logo na entrada do Porto. Também lá estive.
Isto, sem falar na enorme dívida que tenho com minhas memórias de até agora não ter me obrigado a ir ao Algarve, visitar Sagres e as terras que ele, Tavares, tanto ama e que é uma constante ao longo do livro. 
Tudo isto parece com o que terei que escrever no futuro.
Não sei se outras pessoas que vierem a ler este livro experimentarão o mesmo, mas se este é um blog sobre livros e viagens, achei que poderia compartilhar com vocês a surpresa de viajar na minha história, lendo a história de outra pessoa.
Mas acho que é, essencialmente, para isso que uns escrevem e outros leem.

Pelo menos é assim para mim.