Era
sexta de manhã, eu estava tomando café com meus pais em Brasília, quando meu pai
me passou o livro do Miguel Sousa Tavares que trouxera de viagem recente a
Lisboa.
O livro
chamava-se Não se encontra o que se procura e ele, ao me passar o volume,
foi logo alertando: - Ainda não li este livro que trouxe de Portugal, mas sua
mãe já leu e disse que parece muito com as coisas que você tem escrito no seu
blog. (nada modestos, nem ele nem ela!!)
Eu já
tinha lido o Rio das Flores e o maravilhoso Equador, ambos do mesmo
autor, e olhando para aquela capa em tonalidades de azul aceitei sem pestanejar
a oferta, ainda mais porque estava a caminho do aeroporto para encarar as duas
horas e meia que separam a capital federal de Fortaleza e tinha terminado o
livro que trouxera.
Não se
encontra o que se procura não é
um romance, não é uma biografia, é, talvez, um diário, sem o rigor que se espera
de um diário. São lembranças, notas, críticas, percepções, pequenas histórias,
relatos de viagens e comentários dispersos por meio do qual Miguel Sousa
Tavares se revela para o leitor, mesmo que não fosse este seu objetivo
original. Mas quem sabe, seja objetivo de todo escritor.
Quando
comecei a leitura tive a impressão que o autor se propunha a fazer pequenos
relatos de suas viagens, boa parte delas relacionadas às suas atividades
profissionais – participação em feiras literárias, lançamentos de livros,
palestras e etc. – e não pude deixar de pensar que o Miguel Tavares tinha me roubado
o livro que minha irmã Lília tanto me estimula a publicar.
Logo na
apresentação do livro está lá: “Eu quero viver para escrever, viajar para
escrever, olhar para escrever, estar vivo para escrever. Quero a África, a
Ásia, as Américas devorando-me a cabeça”. Não sou de recorrer a citações
literais neste blog, mas não podia ser mais parecido com o que eu sinto quando
sento em frente ao laptop nas tarde-noites de domingo...
Mas não
ficou só aí.
Na
medida em que comecei a viajar com o livro, passando por tantos lugares já
idos, pela sua admiração por Brasília, sua paixão pelo Brasil, suas excursões
por África, seu amor por sua terra natal e a quase onipresença de sua mãe nas
viagens e memórias, comecei a pensar que havia escolhido erradamente o título para
este texto. Em lugar de brincar como título da menina que roubava livros
deveria brincar com o do seu conterrâneo, emprestando o título da obra de
Saramago: O Homem Duplicado.
Parecia
que estava lendo as memórias que eu pretendia escrever quando chegasse aos meus
60 ou 70...
Como não pensar nisso quando a primeira viagem que Miguel Tavares
fez para fora de Portugal foi para a Espanha com sua mãe e está lá, nas suas
memórias, como estará nas minhas, a experiência de ser apresentado ao El Greco
e seu Enterro do Conde de Orgaz na visita a Toledo.
Ali no
capitulo seguinte ou logo depois, nas criticas que faz à nova lei do divórcio
aprovada em Portugal fico sabendo das duas separações e três casamentos (!),
sem preocupar com a interveniência da Igreja. Como também ao contar a sua
viagem para Veneza, para onde já fui, descubro que são três os filhos, sendo o
mais velho e o mais novo, os homens e a filha a do meio. Mais exclamações!!!
E as
viagens?!?!
Depois
de Toledo, do sucesso como jornalista e escritor, e depois que descobriu a
paixão pela caça e pelo off-road (aqui nada nos une) um desfiar de ir e vir em
aviões...
O
Brasil é destaque, ao longo de todo o livro, com muitas idas e vindas: Rio de
Janeiro, Angra dos Reis, Paraty, Búzios, Tiradentes, Congonhas do Campo, Ouro
Preto, Brasília (com direito a um capítulo sobre a cidade), São Paulo (com
almoço no Figueira), Palmas, até um off road entre o Ceará e o Rio Grande do
Norte estão nas memórias que Tavares me antecipa. Mas não são só essas!
Visitar
o Parque Kruger na África do Sul sofrendo ao ter que dirigir na mão inglesa e a necessária passada por Nelspruit, (onde quase atropelei uma bomba de gasolina); admirar-se com o encontro de mundos e povos da
indecifrável Istambul (tomando um suco de romã); perambular por Roma, achar um restaurante sem turistas e
se deliciar com a cidade que a cada esquina te surpreende.
Tudo está nas minhas
memórias e nas dele.
Aproveitar
a Espanha, percorrendo os corredores do Prado ou os andares do Rainha Sofia; se
embasbacar com a beleza estonteante da Alhambra, tendo o cume da Sierra Nevada
a velar por Granada; ou, estando em Barcelona, olhar criticamente à obra
demencial (na versão de Tavares) de Gaudí: a interminável Catedral da Sagrada
Família (que parece que agora foi dada por finalizada!).
Isto
sem mencionar a viagem para a costa da Croácia que abre o livro e que eu tinha
planejado para este ano, mas que acho que vai ficar para 2016. E que
certamente estará nas memórias que Tavares vêm antecipando, me roubando o
livro.
Mesmo
nas referências portuguesas, tantas dele e tão poucas as minhas, me reencontro
com Viana do Castelo e suas belas ruas calçadas; com Évora e o almoço no
Fialho, tomando um Marquês de Montemor; da passagem por Vila Nova de Gaia, ao
retornar a Lisboa do Alentejo ou a vista do Estádio do Dragão logo na entrada
do Porto. Também lá estive.
Isto,
sem falar na enorme dívida que tenho com minhas memórias de até agora não ter
me obrigado a ir ao Algarve, visitar Sagres e as terras que ele, Tavares, tanto
ama e que é uma constante ao longo do livro.
Tudo isto parece com o que terei
que escrever no futuro.
Não sei
se outras pessoas que vierem a ler este livro experimentarão o mesmo, mas se
este é um blog sobre livros e viagens, achei que poderia compartilhar com vocês
a surpresa de viajar na minha história, lendo a história de outra pessoa.
Mas
acho que é, essencialmente, para isso que uns escrevem e outros leem.
Pelo
menos é assim para mim.
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