Contava meu pai que o finado Augusto Morcego, companheiro de boemia do Lustosa da Costa, fazia troça do escancarado amor de meu tio por Sobral declamando uma infame quadrinha em que, em tom de reclamação e ironia dizia: “Uma vez fui a Sobral, outra vez fui a Sobral... Nunca mais vou a Sobral!”
Sem querer comparar a capital peruana com a princesinha do Norte, aqui neste mesmo blog escrevi sobre Lima em tons não muito lisonjeiros, reclamando do excesso de cinza da cidade. Pareceu-me então, uma cidade propícia à depressão e à melancolia, algo distante do desejado para viagens e passeios. Assim, voltei de lá com a sensação de que nunca mais regressaria.
Mas, como dizem por aí, nunca é muito tempo. Estimulado pela Mita e pela companhia dos filhos cearenses, me vi obrigado a regressar a Lima em uma escala necessária para chegar aos nossos objetivos, Cusco e Machu Picchu.
A experiência se assemelhou a quando, por conta da escola dos filhos, a gente é obrigado a voltar a ler e falar sobre aqueles livros chatos, de autores de referência, que enfrentamos nos bancos escolares para nunca mais encontrá-los ao longo da vida.
Vinte anos depois, livros que pareceram entediantes e intermináveis, como Os Sertões do Euclides da Cunha ou O Alienista de Machado de Assis, ganham uma nova cor, uma nova perspectiva, quando por fim se descobre a fina ironia machadiana, que o frescor da juventude e a ignorância que a acompanha não permitiam identificar, ou ainda, o deleite de encontrar na precisão jornalística d’ Os Sertões, os cenários, as diferentes visões de mundo e uma beleza que, em geral, só anos vividos permitem.
E,assim como acontece com os livros, aconteceu com Lima.
Ao contrário da Lima cinza e melancólica, encontrei um cenário de luz e movimento. Uma cidade limpa e organizada, ainda que o trânsito continuasse caótico e enervante, com sua zona central redescoberta. A Plaza de Armas, a Catedral e seu entorno, uma charmosa rua com casas restauradas do período Colonial, o Jiron Ancash, e o Parque de La Muralla, que resgata ruínas da antiga cidade, de quando Lima era capital o Vice Reinado do Peru, tudo convida a passear e se perder nas ruas do centro.
Miraflores e San Isidro, que ainda abrigam boa parte da nova nobreza limenha, estão cada vez mais interessantes. Além da série de parques que acompanha o Malecón de La Reserva, se debruçando sobre a estonteante beleza do Pacífico e do tradicional shopping Larcomar, os bairros abrigam um sem número de restaurantes laureados que fazem da cozinha peruana uma referência internacional e obrigam o visitante a experimentar uma culinária que vai além dos tradicionais piscos e ceviches, embora, para mim, ambos permaneçam na lista de favoritos.
Mas ainda há mais para Lima. Com novos bairros boêmios, sítios arqueológicos e museus temáticos, a cidade se oferece para o turista com muitas facetas. Sem falar no píer onde está o Rosa Náutica, que tem um dos fins de tarde mais belos da vizinhança e, na companhia adequada, com um vinho branco ou um pisco sour, é lugar mais que apropriado para descontrair e jogar conversa fora, especialmente para aqueles que têm tempo para isso.
Por sinal, esta é uma das vantagens de ir mais de uma vez a um lugar. Na primeira, a gente é consumido por uma avidez da experiência, uma necessidade de ver tudo e de fazer tudo. Quando se vai outra vez, é possível melhor aproveitar o que o lugar tem para oferecer. Sua pressa e sua calmaria, seus pontos turísticos e seus pontos de encontro. Os restaurantes recomendados e aqueles que só os locais sabem existir. O novo não é mais a novidade, mas a vivência. Não é mais uma questão de ver e de estar, mas uma questão de sentir.
Assim como os livros, da primeira vez o desafio é terminar, consumir, contar que a missão foi cumprida. Na segunda, é possível sentir, viajar nas páginas, nas personagens, na história e traduzir isso para a vida. Ao contrário do que ameaçava Augusto Morcego, na próxima vez que voltar, descobrirei mais uma vez Sobral, Lima ou, quem sabe, a mim mesmo.
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