sexta-feira, 3 de abril de 2015

Camiñaras con la Civilización.





A inexorável marcha da civilização é uma das coisas que mais chama a minha atenção nas muitas viagens que fiz na América Latina. Note-se que não há um juízo de valor quanto se esta civilização é melhor que aquela ou se esse padrão de desenvolvimento é melhor. Nada disto!

Há apenas a constatação de um processo aparentemente inevitável de culturas se sobrepondo umas às outras – em geral de forma não pacífica – por todos os lugares por onde andei, especialmente pela América espanhola.

De norte a sul, do México à Patagônia, salta aos olhos dos viajantes esta constante superposição de culturas, impérios e civilizações, seja pela dominação econômica, pela cooptação política, pela repressão cultural, pela supremacia bélica ou pelo total holocausto de populações há anos instaladas em um determinado território.

No livro Camiñarás con el Sol, Alfonso Mateo Sagasta nos apresenta uma das facetas deste processo de histórico de culturas e civilizações se transformando ao contar, de forma romanceada, a história de Gonzalo Guerrero, um marinheiro espanhol cuja caravela naufragou nas imediações da Jamaica e seus sobreviventes acabaram sendo capturados e escravizados por guerreiros no Yucatán.

O incidente ocorre no ano de 1516, quando a civilização Maia que dominava aquela região do globo já entrava em decadência e quando a aventura de dominação espanhola no que hoje conhecemos como México era um projeto que levaria alguns anos para se concretizar. Durante o período que permaneceu no cativeiro Guerrero foi aos poucos se ajustando ao modo de vida dos seus captores e passou a compreender e auxiliar a tribo que o escravizava a se fortalecer num ambiente em que as diversas tribos e grupos de guerreiros viviam em permanente estado de confronto.

Logo o protagonista de Mateo Sagasta estava orientando os ameríndios nas táticas militares mais modernas que se adotavam nos exércitos europeus e, por conta dos sucessos obtidos nas muitas disputas e escaramuças que enfrentou, se convertendo em um dos principais líderes militares daqueles índios, garantindo supremacia entre as tribos do seu entorno e transformando seu pequeno exército em um dos principais obstáculos aos avanços dos exércitos de Hernán Cortez nas selvas de Yucatán.

O livro não tem tom de denúncia ou de revisionismo histórico, mas assume um viés pro-ameríndios já que a experiência é narrada – majoritariamente – a partir da perspectiva de um europeu que acaba por assumir e adotar para si a cultura dos locais, a tal ponto que quando teve a oportunidade de juntar-se ao exército espanhol, chance que seu colega de naufrágio e de cativeiro Jerónimo Aguilar logo aceitou, Guerrero preferiu ficar com seus guerreiros maias.

Tão destacada foi sua atuação nas guerras do Yucatán, especialmente aquela em que cruzou o golfo de Honduras para derrotar os espanhóis que tentavam ocupar a região, que quando Gonzalo Guerrero foi finalmente morto, isto vinte anos depois de seu naufrágio, o governador da Guatemala, muito aliviado, correu a informar à Coroa Espanhola do fato.

Mas o processo histórico de dominação e conquista que é pano de fundo para o livro e que nos serve de guia para viagens por toda a América espanhola não se resume à conquista das Américas pelos Europeus.

As mesmas trilhas e caminhos que seguimos nos tours na região mostram-nos a formação dos impérios americanos, como os Incas e os Astecas, que também recorreram às guerras, conquistas, sanções econômicas e outros instrumentos de cooptação para estender seus domínios sobre áreas que, até hoje, nos surpreendem, seja por sua extensão territorial, seja pela complexidade dos recursos necessários para bem gerenciá-los.

Apesar do livro se passar na região Maia, principalmente sul do México e Guatemala, é na cidade do México e suas imediações que melhor eu pude observar ilustrações deste processo de conquista e dominação, principalmente na visita ao Museu Nacional de Antropologia e no passeio pelas maravilhosas ruínas de Teotihuacan, a cidade onde os Deuses foram criados.

Localizado em uma área nobre da cidade do México, em meio ao Parque Chapultepec, o Museu Nacional de Antropologia é formado por um conjunto de quatro prédios – me lembraram prédios do estilo do Niemeyer em Brasília, com muito concreto – em torno de um pátio que permitem ao visitante uma tour que parte do período em que os americanos ainda conviviam com os mamutes e passa por as muitas civilizações e culturas que formam a cultura do país.

Astecas, Maias, Olmecas, Teotihuacanos e Toltecas, além de muitas outras tribos e suas manifestações culturais estão ali expostos numa organização que ao mesmo tempo os distribui geograficamente, mas também tenta mostrar como uma civilização sucedeu a outra, aproveitando de seus desenvolvimentos e superando-as em suas conquistas e avanços, até a chegada dos espanhóis.

Saindo do museu, cortando o trânsito sempre complicado da maior metrópole da América Latina no sentido norte, o visitante se dirige para o que deve ter sido a maior cidade da região durante o primeiro milênio depois de Cristo: Teotihuacan. Construída entre o primeiro e sétimo séculos depois de Cristo, a cidade sagrada é impressionante, mas que isto: é monumental!

Imagine-se em uma avenida larga cercada por prédios imponentes de lado a lado, com uma extensão de mais de dois quilômetros, tendo seu início na cidadela, onde está o Templo de Quetzalcoatl e, na outra extremidade, é coroada pelas majestosas pirâmides do Sol e da Lua.

Cuidando para não perder o fôlego, seja por conta da impressionante beleza do lugar, seja por conta dos efeitos da altitude, suba os muitos degraus da pirâmide do Sol, a mais alta delas, e lá de cima contemple todo o maravilhoso espetáculo que se apresenta e que, sem dúvidas, convida à reflexão.

Com isto em mente, se pergunte como uma civilização, um povo, conseguiu construir tamanha maravilha há mais de 1500 anos atrás! Ou ainda, como e porque uma civilização tão impressionante subitamente desapareceu da face da terra e só mais de 1000 anos depois as ruínas deste impressionante complexo arquitetônico foram descobertas.

Não há como não especular sobre o inevitável processo da ascensão e descenso de povos e culturas. Não tem como não se perguntar se todo o conhecimento que permitiu a existência de Teotihuacan simplesmente se perdeu ou será que os Mexicas e Astecas, grupo de nômades, vindos do norte, que séculos depois transformaram uma área pantanosa onde encontraram uma águia devorando uma cobra em cima de um cacto na capital do maior império das Américas não se aproveitaram desta experiência histórica.

Antes de sair do complexo, dê uma passada no pequeno museu que existe e que abriga algumas peças e informações sobre a cidade – as melhores peças estão no Museu Nacional de Antropologia já visitado – especialmente a bela maquete que dá uma dimensão bem mais objetiva do tamanho e da complexidade dessa sociedade há muito desaparecida.

De volta à Cidade do México, outras muitas evidências deste processo de interação e submissão de culturas e civilizações vão aparecendo a cada olhar, a cada passeio.

Como na visita à Plaza de Armas da cidade, com a curiosa vizinhança entre a Catedral e o antigo Templo Asteca onde Montezuma teria sido assassinado por Cortês, num processo de conquista em que os espanhóis contaram com o decisivo apoio de muitas outras tribos de ameríndios que há anos eram submetidos pelos Astecas e viram na chegada dos europeus a chance de se livrar do jugo de seu inimigo histórico.

Mesmo quando a vitória parece se voltar contra o conquistador, como nas muitas derrotas que Gonzalo Guerrero aplicou sobre seus compatriotas espanhóis, ainda assim o processo de dominação se apresenta, já que para transformar os guerreiros Maia em vencedores, Guerrero teve que treiná-los para adotar táticas e conceitos de guerra que eram tão alienígenas para aquele povo quanto os cavalos que os espanhóis chegaram montados e as armas de fogo que utilizaram.

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