Aos mais incautos ou menos informados, uma viagem para a Itália é ir a Roma e ver o Papa, ir a Veneza para um passeio de gôndolas, ir a Pisa e tirar aquela célebre foto escorando a torre inclinada ou, quem sabe, ir a Verona e passar a mão no seio da Julieta.
A Itália é tudo
isso, também, mas é uma pequena amostra de como o país é formado por seus
vários “paesi”. Desse jeito mesmo! Para os italianos há muitos países
diferentes naquele território com formato de bota e essa foi uma das principais
descobertas de Suger de Petit Pons, magister em medicina, um dos protagonistas
do livro “O Labirinto no Fim do Mundo” de Marcello Simoni.
Interessantemente,
a história começa em dois pontos distantes da Itália, no longínquo ano de 1229.
No que hoje seria a Alemanha, Konrad von Marburg, um inquisidor designado pelo
Papa para investigar e desbaratar uma seita de luciferianos começa sua missão,
enquanto que em Paris, um mestre de medicina expulso da Universidade de Notre
Dame presencia um estranho assassinato e aceita a missão de entregar um “manto
sagrado” a um desconhecido na cidade de Milão, uma vez que, depois de exilado
de sua Cátedra em Paris, tinha decidido mudar-se para Salerno, onde poderia se
dedicar aos estudos e à prática da medicina.
A partir daí as
histórias se entrelaçam porque, supostamente, o tal manto é para ser entregue
ao líder da dita seita de adoradores do diabo, um homem oriundo da Espanha,
conhecido pela alcunha de Homo Niger, que é o objeto da perseguição implacável
do monge alemão e do sicário da arma misteriosa.
Depois de
rápidas passagens e peripécias pelo norte da Itália e pelos estados papais, a
história nos leva para Nápoles, onde o mestre de medicina, agora acompanhado
pelo mercador de relíquias Ignazio de Toledo e seu filho, finalmente se encontram
frente a frente com Marburg e com o assassino misterioso. Ali, são capturados e
aprisionados no Castelo do Ovo, que havia sido transformado em uma fortaleza
por Frederico II, o Sacro Imperador Romano Germânico.
No afã de
provar sua inocência e de escapar à perseguição religiosa, Ignazio e seu filho
fogem do Castelo e partem em busca do tal Homo Niger seguindo na direção da
Sicilia, passando pelas cidades de Salerno, Messina, Palermo e tantas outras
que seis séculos depois iriam formar o Reino das Duas Sicílias, depois que os
Reinos de Nápoles e da Sicília foram suprimidos pelo Congresso de Viena e
transformados em uma única entidade estatal.
A viagem de
fuga acossada pelos perseguidores papais certamente impediu que os personagens
aproveitassem as belezas e os encantos da parte sul da península italiana, mas,
setecentos anos mais tarde, resolvi comemorar meu aniversário naquela região e
fiz, de carro, percurso similar àquele feito pelos heróis e vilãos de Simoni.
O ponto de
partida foi Nápoles, primeira capital do Reino das Duas Sicílias. A cidade
contrasta a beleza de sua baia e seus sítios históricos com ruas sujas como nas
mais pobres capitais do terceiro mundo. Maravilhas do patrimônio cultural
mundial com um trânsito absolutamente caótico. Uma culinária esplendorosa,
entre outras coisas foi lá que inventaram a pizza margherita, e o restaurante
ainda está lá, concorridíssimo, com um serviço que às vezes depõe contra o
sabor. Assim me pareceu Nápoles, uma terra de contrastes.
O Castelo do
Ovo, onde nossos personagens ficaram presos ainda está lá, para contar a
milenar história da cidade, já que as primeiras edificações naquela área são de
antes do período romano. Nas proximidades do castelo, subindo a avenida
costeira, chega-se à ampla Piazza del Plebiscito, construída no período em que
Napoleão Bonaparte era o mandachuva, que com seu perfil arquitetônico moderno
contrasta com as construções medievais do Castel Nouvo e de outros edifícios da
região.
Perto da cidade,
pegando a estrada em direção ao sul, está o Vesúvio e as ruínas de Pompéia e
Hercolano, parada obrigatória na primeira, se o tempo disponível não for muito,
para se assombrar com aquela impressionante fotografia do império romano. Não
há como não se deslumbrar com a extensão das ruínas de Pompéia, uma cidade
inteira conservada, nos seus mínimos detalhes.
Continuando
rumo ao sul, chega-se à Costa Amalfitana com suas lindas cidadezinhas, como
Amalfi, Sorrento, Ravelo e Positano. Pena que era inverno e como estava frio
não pudemos aproveitar os incontáveis bares e restaurantes com deliciosas
vistas do mar, onde certamente teríamos aproveitado os vinhos e frutos do mar
da região, por outro lado não tivemos que disputar cada centímetro da praia ou
das ruas com um enxame de turistas.
Como quase
todos os restaurantes de praia estavam fechados, almoçamos no delicioso Caruso,
na encantadora Sorrento, em plena terça feira gorda. Ao sairmos do almoço, nos
deparamos com o desfile de carnaval da cidade onde, como esperado, havia um
bloco formado, majoritariamente, por brasileiros.
No fim do dia
passamos ainda por Salerno, destino nunca alcançado por Suger e, assim como
ele, pouco proveito tiramos da visita. A cidade, pelo menos no século XXI, não
impressiona nem encanta como as suas vizinhas nos arredores de Amalfi e assim,
seguimos rumo sul, na direção da Reggio Calabria, tal qual fizeram por barco de
fugitivos e seus perseguidores no romance do fim do mundo.
Assim como os
personagens de Simoni, entramos na Sicilia pelo porto de Messina e, tal qual os
visitantes do Século XIII logo seguimos em busca de conhecer a mistura de
culturas, povos e tradições que fazem da ilha ao sul da Itália um país em todo
o seu particular. É uma mistura de romano, árabe, espanhol, grego e o que mais
você lembrar, porque por séculos a ilha era uma encruzilhada no Mediterrâneo,
porto de chegada e partida de Fenícios, Romanos, Cruzados, Sarracenos…
De Messina
seguimos para Taormina, com suas ruínas gregas, suas escadarias, suas
deliciosas ruelas de pedra. Uma cidadezinha charmosa e, mesmo no inverno, com
inúmeras opções de restaurantes e bares para aproveitar. Isso sem falar do seu
Duomo de pedra, pequeno, central e mais que charmoso.
De Taormina
seguimos para Catânia e mais uma vez passamos por vulcões, dessa vez o Etna,
tranquilo, por então, mas sem nos deixar esquecer que é o vulcão mais ativo da Europa,
frequentemente dando sustos em visitantes e moradores da Região. De Catânia seguimos
para a segunda e última capital do Reino das Duas Sicilias, e assim como
fizeram os personagens de Simoni, chegamos à bela Palermo.
Depois de
passear na parte central da cidade, com direito a visitas ao Teatro Massino, a
caminhadas na Via Maqueda, à Fonte da Vergona e as muitas e belas igrejas da
cidade, chegamos ao Palácio dos Normandos e à Catedral de Palermo, com direito
a visitar a belíssima Capela Palatina.
Antes de
partir, tomamos o carro e subimos para visitar Monreale, uma cidadezinha ao lado
de Palermo – tem ônibus ligando o centro da cidade a ela – que tem na sua
catedral a principal atração. Construída no Século XII a igreja impressiona
pela beleza do seu interior, todo decorado com pinturas em estilo bizantino,
reproduzindo o encontro de culturas que caracteriza a Ilha ao sul da bota.
Enquanto no
romance de Simoni, depois de muito fugir e de muitas mortes pelas mãos do
matador da arma misteriosa, os personagens principais se encontram aprisionados,
são levados a julgamento perante um tribunal formado pelos monges de Monreale e
têm seu encontro com o Imperador Frederico II. Só então encontram a saída para
sua difícil situação e tomam um barco de volta para a Espanha.
Nós, depois de mais de 800 Km de estradas, conhecendo o território das Duas Sicílias, deixamos Palermo de avião, em regresso à Roma e de lá para casa, com a certeza de que, longe de ser um fim de mundo, aquela região deve ser um começo para muitas outras viagens.
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