quarta-feira, 24 de abril de 2013

Guerreiros do Sol na grota de Angicos


Atire a primeira pedra quem nunca se interessou pela vida no cangaço. Pelas aventuras e desventuras de Lampião, Corisco, Maria Bonita e outros cabras! Ainda mais se for nordestino. Ainda mais se teve oportunidade de ler os milhares de cordéis contando causos sobre o cangaço em situações nobres, inusitadas ou surreais.
Comigo não foi diferente. Entre textos nascidos da rica imaginação dos cordelistas, passando por romances com fundo histórico até estudos de matiz acadêmico, sempre me interessei por essa dimensão tão marcante da história brasileira e da cultura nordestina.

Foi com essa curiosidade pelo cangaço que numa de minhas passagens pelo Aeroporto de Guararapes me deparei com o livro “Guerreiros do Sol, Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil” de Frederico Pernambucano de Mello. Comprei-o e me dediquei à sua leitura.
Texto bom e escorreito, o livro de Pernambucano de Mello talvez não agrade a todos os leitores uma vez que é derivado de sua tese de doutorado ou algo similar. Logo, para aqueles que procuram uma leitura mais descompromissada...

Mas me agradou sua análise inovadora (para mim), distinta daquela adotada por Hobsbawm em “Bandidos”. Enquanto o britânico nascido no Egito dá ao banditismo (incluindo nesta categoria o cangaço) uma dimensão de luta de classe, o pernambucano traz uma proposta menos romântica, mas bem fundamentada. Gostei, especialmente, do conceito do escudo ideológico.
Em síntese, o autor propõe que o discurso da vingança pessoal e da justiça social serviu, para boa parte dos grupos de cangaceiros que atuaram na região, como defesa (um escudo ideológico) para suas atitudes de pura violência e banditismo, baseado em argumentos que iam da não realização da vingança quando a oportunidade surgiu até a estética do cangaço como evidência do sucesso pessoal.

Também gostei de aprender que quando o Governo de Pernambuco resolveu reprimir o cangaço, adotou como estratégia investir contra os coiteiros, os coronéis do sertão que davam proteção aos cangaceiros e que faziam a sua interface com a legalidade. Eram eles que ofereciam crédito, compravam armamentos e suprimentos para os cangaceiros, em troca de ganhos e proteções (isso pode servir para os dias de hoje?). Tudo isto e muito mais está em Guerreiros do Sol!
Mas não pretendo defender esta ou aquela tese, este ou aquele autor. Pelo menos não aqui.

Na verdade, essa discussão perdeu importância quando me vi lá, às margens do Rio São Francisco, depois de uma caminhada de uns quinze minutos no meio da caatinga, na famosa grota de Angicos.
Ali, naquele chão pedregoso e desconfortável. Naquele projeto de córrego seco, numa manhã de julho de 1938, Lampião, Maria Bonita e quase tudo o que restava de seu grupo foram surpreendidos pela volante do Tenente João Bezerra da Silva, mal o sol havia nascido. E foram dizimados.

Bandido ou não, escudo ideológico ou não, justiceiro ou simples ladrão, nada disso fazia diferença. Pelo menos não para mim. Pelo menos não ali!
Herói bandido ou bandido herói, naquele lugar fora morto um homem que fez história, que transformou a história do Brasil e dos sertões nordestinos. E isto bastou para me emocionar.

Aquele momento foi o ponto alto de um passeio no lugar do Brasil em que o rio da integração nacional irmana a Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
Mais cedo tinha me maravilhado com um passeio de barco pelo seu cânion, contraste maravilhoso das águas de um verde escuro, com paredes de pedras aqui pretas, ali âmbar, mais adiante nos ofuscando com a intensidade com que refletem a luz do sol. Tudo sob um céu de um azul intenso e em ótima companhia.

Depois do cruzeiro no cânion, a parada seguinte era Piranhas nas Alagoas. Só que no meio do caminho tinha Pedra, ou melhor, Delmiro Gouveia. E só de saber, e ver, que naquela cidade o empreendedor cearense residiu, inaugurou a segunda hidrelétrica do Brasil, fundou a Companhia Agro Fabril Mercantil e, provavelmente pelo seu empreendedorismo, foi assassinado, já justificava a vinda desde Paulo Afonso.
Uma vez em Piranhas, bela cidadezinha encarapitada nas barrancas do São Francisco, tomamos o barco para o outro lado do rio, em Sergipe, para a visita à grota e para o encontro com a história do nordeste brasileiro.

Antes de cair a tarde já estávamos de volta ao barco, nos admirando com a beleza singela do casario colorido da mesma Piranhas para onde retornávamos, fazendo igual trajeto mais de 60 anos depois. De lá saiu a volante do Tenente João Bezerra e para lá retornaram as cabeças de Lampião, Maria Bonita e dos demais membros do grupo que tombaram no combate para ficarem expostas em praça pública.
Um livro e uma viagem ao interior da história e do Brasil, ao sabor das águas quase sempre mansas do Velho Chico.

(neste não sei a quem creditar a foto, peguei na internet já que não tinha uma que mostrasse tão fidedignamente minha lembrança de Piranhas)

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