Atire a primeira pedra quem nunca se interessou pela vida no
cangaço. Pelas aventuras e desventuras de Lampião, Corisco, Maria Bonita e outros
cabras! Ainda mais se for nordestino. Ainda mais se teve oportunidade de ler os
milhares de cordéis contando causos sobre o cangaço em situações nobres,
inusitadas ou surreais.
Comigo não foi diferente. Entre textos nascidos da rica
imaginação dos cordelistas, passando por romances com fundo histórico até estudos
de matiz acadêmico, sempre me interessei por essa dimensão tão marcante da
história brasileira e da cultura nordestina.
Foi com essa curiosidade pelo cangaço que numa de minhas
passagens pelo Aeroporto de Guararapes me deparei com o livro “Guerreiros do
Sol, Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil” de Frederico Pernambucano de
Mello. Comprei-o e me dediquei à sua leitura.
Texto bom e escorreito, o livro de Pernambucano de Mello talvez
não agrade a todos os leitores uma vez que é derivado de sua tese de doutorado
ou algo similar. Logo, para aqueles que procuram uma leitura mais descompromissada...
Mas me agradou sua análise inovadora (para mim), distinta
daquela adotada por Hobsbawm em “Bandidos”. Enquanto o britânico nascido no
Egito dá ao banditismo (incluindo nesta categoria o cangaço) uma dimensão de
luta de classe, o pernambucano traz uma proposta menos romântica, mas bem
fundamentada. Gostei, especialmente, do conceito do escudo ideológico.
Em síntese, o autor propõe que o discurso da vingança pessoal
e da justiça social serviu, para boa parte dos grupos de cangaceiros que
atuaram na região, como defesa (um escudo ideológico) para suas atitudes de
pura violência e banditismo, baseado em argumentos que iam da não realização da
vingança quando a oportunidade surgiu até a estética do cangaço como evidência
do sucesso pessoal.
Também gostei de aprender que quando o Governo de Pernambuco
resolveu reprimir o cangaço, adotou como estratégia investir contra os
coiteiros, os coronéis do sertão que davam proteção aos cangaceiros e que
faziam a sua interface com a legalidade. Eram eles que ofereciam crédito, compravam
armamentos e suprimentos para os cangaceiros, em troca de ganhos e proteções
(isso pode servir para os dias de hoje?). Tudo isto e muito mais está em
Guerreiros do Sol!
Mas não pretendo defender esta ou aquela tese, este ou
aquele autor. Pelo menos não aqui.
Na verdade, essa discussão perdeu importância quando me vi
lá, às margens do Rio São Francisco, depois de uma caminhada de uns quinze
minutos no meio da caatinga, na famosa grota de Angicos.
Ali, naquele chão pedregoso e desconfortável. Naquele projeto
de córrego seco, numa manhã de julho de 1938, Lampião, Maria Bonita e quase
tudo o que restava de seu grupo foram surpreendidos pela volante do Tenente
João Bezerra da Silva, mal o sol havia nascido. E foram dizimados.
Bandido ou não, escudo ideológico ou não, justiceiro ou
simples ladrão, nada disso fazia diferença. Pelo menos não para mim. Pelo menos
não ali!
Herói bandido ou bandido herói, naquele lugar fora morto um
homem que fez história, que transformou a história do Brasil e dos sertões
nordestinos. E isto bastou para me emocionar.
Aquele momento foi o ponto alto de um passeio no lugar do
Brasil em que o rio da integração nacional irmana a Bahia, Pernambuco, Alagoas
e Sergipe.
Mais cedo tinha me maravilhado com um passeio de barco pelo seu
cânion, contraste maravilhoso das águas de um verde escuro, com paredes de
pedras aqui pretas, ali âmbar, mais adiante nos ofuscando com a intensidade com
que refletem a luz do sol. Tudo sob um céu de um azul intenso e em ótima
companhia.
Depois do cruzeiro no cânion, a parada seguinte era Piranhas
nas Alagoas. Só que no meio do caminho tinha Pedra, ou melhor, Delmiro Gouveia.
E só de saber, e ver, que naquela cidade o empreendedor cearense residiu, inaugurou
a segunda hidrelétrica do Brasil, fundou a Companhia Agro Fabril Mercantil e,
provavelmente pelo seu empreendedorismo, foi assassinado, já justificava a
vinda desde Paulo Afonso.
Uma vez em Piranhas, bela cidadezinha encarapitada nas
barrancas do São Francisco, tomamos o barco para o outro lado do rio, em
Sergipe, para a visita à grota e para o encontro com a história do nordeste
brasileiro.
Antes de cair a tarde já estávamos de volta ao barco, nos
admirando com a beleza singela do casario colorido da mesma Piranhas para onde
retornávamos, fazendo igual trajeto mais de 60 anos depois. De lá saiu a
volante do Tenente João Bezerra e para lá retornaram as cabeças de Lampião, Maria
Bonita e dos demais membros do grupo que tombaram no combate para ficarem
expostas em praça pública.
Um livro e uma viagem ao interior da história e do Brasil,
ao sabor das águas quase sempre mansas do Velho Chico.(neste não sei a quem creditar a foto, peguei na internet já que não tinha uma que mostrasse tão fidedignamente minha lembrança de Piranhas)
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