domingo, 22 de setembro de 2013

Desde 1869, vale perguntar: Que País é esse?


A semana se encerra com o País perplexo e indignado diante da decisão do STF de aceitar os embargos infringentes dos réus do mensalão. Porém, esta indignação não deve esconder o fato de que nosso país sofre com a fragilidade de suas instituições e, paradoxalmente, também se ressente quando as instituições e seus regramentos são pouco flexíveis. O mesmo brasileiro que cobra a pena rígida defende o famoso jeitinho.

Essa contradição nas nossas relações com as instituições não é fato novo nem recente, podemos encontrar exemplos nos mais variados eventos de nossa história: na Colônia, na Corte no Rio, no Império, nas repúblicas e até nas poucas guerras que participamos. Desde sempre esse Brasil sem segurança institucional, assentado em heróis inventados, macunaímas e jeitinhos está presente.
Em 1869, Alfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay, o visconde de Taunay, produziu um dos melhores, talvez, o melhor relato da participação brasileira na Guerra do Paraguai. Seu livro, A Retirada da Laguna, é tão emblemático do momento que estamos vivendo que merece ser lembrado.

A Retirada é, por definição, um épico às avessas! Bem ao feitio de um país que só pode ser entendido se analisado às avessas.
Escrito em prosa de grande qualidade, o livro narra um dos maiores fracassos militares da campanha paraguaia do Brasil. Ainda assim, no meu período nos bancos escolares tal evento foi transformado em feito de grande heroísmo nacional: uma fuga vitoriosa!?

Na campanha retratada por Taunay, como nos eventos recentes, não há heróis, são escassas as cenas de nobreza, de denodo, de caráter ou audácia. Com algum esforço, talvez pudéssemos considerar o guia Francisco Lopes o herói de uma guerra pela sobrevivência por ter conseguido achar o caminho de volta quando todos estavam perdidos.

Desde o início a desorganização, o despreparo, o desconhecimento sobre as terras onde iriam combater e a precária logística apontavam para uma ação militar fadada ao fracasso, sob do comando do Coronel Carlos de Moraes Camisão.

O Coronel assume o comando sob suspeita. Considerado pusilânime e covarde, especialmente depois de sucessivos adiamentos da partida da Coluna, ele espera recuperar sua imagem na campanha. Sempre indeciso e hesitante, o Camisão descrito por Taunay nos leva a perguntar como tal homem pôde ser designado para a tarefa? Que Exército era aquele? Que Império era aquele?

A Coluna, com 1680 homens, saiu da Colônia Militar de Miranda em 11 de janeiro de 1867 chegando a Nioaque 13 dias depois. A pequena vila, com poucas casas, uma igreja e um quartel para quinhentos homens abrigou a tropa por um mês enquanto tentavam estabelecer as linhas de suprimento, já que desde o anúncio da partida a tropa não tinha o suficiente para se alimentar, nem tinha a retaguarda como garantir o seu abastecimento. 

Pouco depois de Nioaque, ao se aproximar de território ocupado pelos paraguaios, ocorre o primeiro encontro com o inimigo. No momento em que os soldados esperam investir sobre os paraguaios, Camisão hesita e não ordena o ataque. Taunay ironiza o comandante ao explicar que a decisão de não atacar se devia aos escrúpulos de Camisão uma vez que “estávamos na Sexta-Feira Santa, e a iniciativa de uma ação sangrenta no dia da morte do Salvador repugnava a um coração religioso como o do nosso chefe”.

Assim, a primeira vitória da Coluna é a conquista do Forte de Bella Vista em 21 de abril. Menos de uma semana depois, um destacamento formado por soldados e índios Guaicurus e Terenas ocupa e incendeia o forte paraguaio Rinconada. 

Com poucos mantimentos, o Coronel resolve avançar Paraguai adentro, chegando à Fazenda da Laguna, onde são cercados pelos adversários. A partir daí a situação começa a se agravar e no dia 8 de maio o exército brasileiro começa a retirada com perdas significativas de armas e homens. 

Depois de cruzar o rio Apa, na Bela Vista brasileira, a coluna sofre duro ataque inimigo com muitos mortos e feridos. Seguindo em fuga, atordoada pela fome e pela pressão do inimigo, que incendeia as matas em volta dos acampamentos dos brasileiros, sofrendo com as condições do caminho, a tropa se vê perdida e sem mantimentos.

Não bastassem as dificuldades, o cólera começa a abater mais e mais soldados e a coluna entra em desespero, até que o guia Lopes consegue se localizar e retoma a marcha em direção à sua fazenda, cruzando o riacho Cambaracê, onde os doentes foram abandonados à própria sorte. No final do dia chegam aos currais da Fazenda Jardim com o Comandante, o Sub-Comandante e Guia também atacados pela doença. 

Na fazenda do Guia Lopes ficaram, sepultados, além do proprietário, o Coronel Camisão, o Tenente Coronel Juvêncio e vários desconhecidos. Nosso único herói morre cumprindo a promessa de levar a coluna ou o que dela restasse de volta ao Brasil e dar abrigo na segurança de sua própria fazenda. Mas os paraguaios continuam por perto. 

Em 3 de junho o grupo chega a Nioaque para encontra-la saqueada, com cadáveres espalhados por todo lado. No dia seguinte há a explosão da igreja da vila e a tropa só consegue se livrar do inimigo depois de transpor o rio Taquarussu. Em 11 de junho, o que restou do contingente brasileiro chega a Porto Canuto, às margens do Rio Aquidauana, encerrando as operações de guerra, com a perda de 698 soldados, além de grande número de índios, mulheres, comerciantes, paisanos e garotos de serviço que os acompanhavam. 

Por conta do trabalho e depois, por lazer, conheci a região onde se desenrolou toda a fuga. Partindo de Campo Grande, capital do Estado, toma-se a rodovia em direção a Sidrolândia e de lá para Nioaque. A cidade que abrigou a coluna por quase um mês ainda guarda algumas referências históricas do movimento em torno de sua praça e da sua igreja matriz. O quartel militar ainda estava lá, claro que moderno e reformado, mas pouco demonstrava da importância que teve para a história do Exercito brasileiro.

De lá segui oeste, rumo ao Paraguai cortando a região de belíssimas paisagens do peripantanal. Entre Nioaque e Porto Murtinho, fronteira com o Paraguai, estão os municípios de Bonito e Jardim muito frequentados pelos que gostam do turismo de aventura ou do contato com a natureza. Nas vizinhanças também está a cidade de Guia Lopes da Laguna, homenagem ao herói da retirada. 

Na região, além dos hotéis, pousadas e restaurantes que fazem de Bonito uma cidadezinha com muitos atrativos, os mergulhos nas águas frias e cristalinas do Rio da Prata, o rapel no abismo Anhumas, as trilhas pelas cachoeiras ou a visita à Lagoa Azul, são passeios imperdíveis aos com disposição para aventura. 

Os realmente aventureiros podem optar por incursões mais longas pelo do pantanal sul matogrossense, fazendo trilhas de grande duração, acampando em fazendas da região. Pessoalmente minha veia aventureira vai até escurecer. Ao cair da noite gosto de voltar para o conforto do hotel, tomar uma cerveja gelada ou uma caipirinha e jantar bem. Isto sem falar do banho para relaxar. 

Os que têm paciência para a pesca devem seguir para Porto Murtinho, com seu peculiar dique, que cerca o centro urbano e o protege das águas volúveis do Rio Paraguai. Ali o rio é muito piscoso e a cidade é um centro para turismo de pesca, recebendo visitantes de todo o país, com oferta de barcos, equipamentos e guias. Quando estive por lá, havia um cassino – se é que poderia receber esse nome – que funcionava em uma das ilhas do lado paraguaio, hoje em dia não sei se ele ainda existe, mas também não acho que seja razão para rodar tantos quilômetros.

Naquela época sugeri aos governantes de então que procurassem uma estratégia de desenvolvimento para a região que juntasse ao potencial do ecoturismo, que estava em fase embrionária de exploração, a importância histórica da área, por conta da famosa Retirada da Laguna. Olhando na internet a divulgação do turismo no estado percebo que muito pouco ou quase nada se fez com esta intenção. Mas para que criar uma atração turística em torno de um fracasso militar?

Quem sabe para dignificar as mais de mil pessoas que morreram na campanha.

Quem sabe para nos perguntarmos mais uma vez: Que guerra foi essa? Que Brasil é esse?

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