Antes de Istambul, Constantinopla faz parte do imaginário de qualquer
um que goste, mesmo um pouquinho, de história. Quem não estudou que a queda de Constantinopla em
1453 esteve na origem das ousadas viagens dos navegantes ibéricos que, ao
procurar o caminho alternativo para as índias, terminaram chegando às praias americanas e brasileiras?
Depois ficávamos sabendo que a cidade foi capital dos impérios
Romano do Oriente e do Império Bizantino (chamava-se Bizâncio) e que anos depois
da conquista pelos otomanos passou a se chamar Istambul, mas
que nem por isso perdeu sua importância geopolítica pois era ali, no Bósforo que o Ocidente e o Oriente se aproximavam e, depois, com as construções
de pontes, que Ásia e Europa se uniam ou se separavam.
Foi em Istambul, ponto de encontro de culturas milenares, que Joseph
Kanon – autor americano que ficou mais conhecido quando seu livro O Bom Alemão
virou filme – resolveu ambientar o seu Passagem de Istambul.
O romance, que se passa logo no final da Segunda Grande Guerra, conta a
estória de um empresário americano do setor de tabaco que durante o
conflito é cooptado pelos serviços de espionagem americanos para
trabalhar transportando documentos confidenciais e fazendo pequenos serviços “off the record” para a embaixada
norte-americana e, com o inicio das hostilidades entre a União Soviética e
os EUA, continua ajudando seus compatriotas em outros pequenos serviços de
natureza similar.
Leon é seu nome e sua mulher, Anna, é uma judia alemã que já no início
da estória está internada em uma clínica catatônica, após o traumático
afundamento de um dos navios em que ela ajudava a contrabandear para a
Palestina um grupo de judeus que procuravam uma vida nova no nascente estado de
Israel.
As visitas a Anna na clinica servem para nos apresentar ao passado da
personagem principal e explicar suas relações com Mihai, um judeu do
Mossad que vai ajudar Leon a sair das várias situações complicadas em que
ele se mete quando tenta ajudar seu país a tirar das mãos dos soviéticos um
importante militar romeno, que se torna objeto da cobiça dos vários serviços
secretos que atuam na cidade turca.
As desventuras de Leon na tentativa de cumprir a missão que lhe foi
confiada envolvem assassinatos misteriosos, disputas
de competência entre a polícia política do governo turco e a polícia turca,
encontros furtivos em festas suntuosas patrocinadas por personagens saídas dos períodos que
antecederam a ascensão de Ataturk e permitem ao
leitor um interessante passeio pela cidade de Istambul, tanto na sua parte
antiga, como na então parte moderna no lado ocidental, com direito a rápidas
incursões pelos antigos bairros do lado asiático da cidade.
É claro que a cidade de Istambul em meados dos anos quarenta não se
compara com a megalópole em ela que se transformou nas últimas décadas, com mais de
14 milhões de habitantes, largas avenidas expressas, aeroportos, pontes e
shopping centers. Mas a parte que o turista e o visitante mais frequentemente
busca já estava ali desde então: a Hagia Sofia, a Mesquita Azul, a Mesquita
Suleymaniye, a ponte Gálata e a Praça Taksin, que naquela época já era o Times
Square da região, com neons e ruas movimentadas.
Como no período logo depois da guerra ter gasolina para os carros era
um luxo para poucos, nossas personagens andam muito de bonde ou a pé, o que
permite que o autor apresente-nos as ruas, bairros, parques, mercados e outros
pontos de interesse da cidade. Apresenta também como esse ponto de encontro de
muitos povos e muitas culturas permite a formação de uma população que nem é
oriental, nem ocidental. Que é conservadora, mas que convive com a diversidade.
Que sem perder as suas raízes e tradições, se esforça para acompanhar os
ditames da modernidade ocidental.
A Istambul de hoje ainda tem muito disto. Convivem, lado a lado, a
milenar história da cidade que foi o centro de mundos e impérios e a cidade que
é, provavelmente, a mais cosmopolita daquela região. Duas cidades que ora parecem
convergir ora confrontar: como nos restaurantes onde os garçons que nos
servem os bons vinhos produzidos na região, não tomam bebida
alcoólica por conta de sua religião; ou, onde o turismo é bem vindo e importante,
mas as preferências dos turistas nem sempre são bem compreendidas.
Mas não cabe se intimidar. Mesmo sem falar turco e com poucos moradores
da cidade que falam inglês ou outra língua mais frequente para os viajadores
ocidentais, os de Istambul não medem esforços para tentar nos
entender e se fazer entender. Em um dia de sol os prédios monumentais da cidade histórica, as já
mencionadas mesquitas, os jardins e o palácio Topkapi e a impressioante Hagia
Sofia (igreja, depois mesquita e agora museu) são de tirar o fôlego.
A moderna esplanada entre o museu e a Mesquita Azul é um lugar
aprazível onde vale a pena sentar para apreciar a beleza do sol refletindo as
suas cores e observar as milhares de pessoas que por ali passeiam, conversam e
fotografam.
A monumental cisterna da cidade, construída durante o
período bizantino para garantir sua capacidade de resistir a longos cercos de inimigos, é outra atração imperdível. Deixe se impressionar pelas suas
dimensões, pela sua umidade penetrante e pelo belo jogo de luzes que a
iluminação das mais de trezentas colunas proporciona ao visitante. Prómimo à entrada, não deixe de notar um marco, do Império Romano, que indicava o
“quilômetro zero” de todas as estradas de uma época em que a cidade era o
centro do mundo.
Vá aos mercados. O Grande Bazar é uma parafernália de produtos das mais
variadas qualidades e preços – um desespero para aqueles que não são muito fãs
de shoppings e compras – e passeie pelo o mercado das especiarias, com uma oferta
multicolorida de alimentos e odores. Vale a pena ir por curiosidade, mas vale a
pena mesmo para quem sabe e gosta de negociar, pois Istambul é um ótimo lugar
para compras, especialmente de roupas e tecidos.
Não deixe de tomar os deliciosos sucos de romã que são preparados no
meio da rua, bem ali na sua frente. Se não quiser arriscar, a mistura do
suco de romã com laranja é também muito gostosa e refrescante. Tem um carrinho
vendendo-os dentro do Palácio Topkapi, bem do lado da entrada do harém.
Para fechar sua passagem por Istambul, atravesse o chifre de ouro de
barco, para ter uma bela vista das ruinas das muralhas e torres que protegiam a
cidade em eras passadas e vá visitar o Palácio Dolmabahçe.
Construído no século XIX pelo Sultão Abdulmacid I, o Dolmabahçe rivaliza
com os monumentais palácios de franças e europas, com suas belas escadarias,
janelas olhando para o estuário e mobiliário sofisticado. Ademais, o fato de
oferecer aos visitantes acessos por terra e por água, prática
adotada por quase todas as casas dos ricos e famosos de então, faz do palácio
um dos mais belos que já visitei.
Assim como a cidade, o romance de Kanon prende o leitor desde o início e faz com que ele queira se envolver nas investigações e viver com as personagens. Sua estória traz os elementos da Istambul que gostamos visitar, embora o fato de usar nomes de ruas e bairros adotados em meados do século passado dificulte, no primeiro momento, que nos localizemos na cidade que durante anos foi centro do mundo para milhões e que ainda hoje serve de ponte para europeus, asiáticos e todos que queiram experimentar do seu caldeirão cultural.
Vale a passagem, vale a viagem!
Gostei de conhecer Istambul pelo seu olhar e pelas analogias com o romance de Kanon. Mais que a leitura do livro suas palavras me instigaram a transitar em Istambul. Experiências no mundo do oriente são, sem dúvida, deliciosamente estranhas para o nosso olhar e paladar do ocidente.
ResponderExcluirEssa é a idéia Isabela, instigar e, se possível, entreter... obrigado pelos comentários e sugestões...
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