terça-feira, 25 de novembro de 2014

Istambul: passagem, ponte ou centro de mundos?


 

Antes de Istambul, Constantinopla faz parte do imaginário de qualquer um que goste, mesmo um pouquinho, de história. Quem não estudou que a queda de Constantinopla em 1453 esteve na origem das ousadas viagens dos navegantes ibéricos que, ao procurar o caminho alternativo para as índias, terminaram chegando às praias americanas e brasileiras?

Depois ficávamos sabendo que a cidade foi capital dos impérios Romano do Oriente e do Império Bizantino (chamava-se Bizâncio) e que anos depois da conquista pelos otomanos passou a se chamar Istambul, mas que nem por isso perdeu sua importância geopolítica pois era ali, no Bósforo que o Ocidente e o Oriente se aproximavam e, depois, com as construções de pontes, que Ásia e Europa se uniam ou se separavam.

Foi em Istambul, ponto de encontro de culturas milenares, que Joseph Kanon – autor americano que ficou mais conhecido quando seu livro O Bom Alemão virou filme – resolveu ambientar o seu Passagem de Istambul.

O romance, que se passa logo no final da Segunda Grande Guerra, conta a estória de um empresário americano do setor de tabaco que durante o conflito é cooptado pelos serviços de espionagem americanos para trabalhar transportando documentos confidenciais e fazendo pequenos serviços “off the record” para a embaixada norte-americana e, com o inicio das hostilidades entre a União Soviética e os EUA, continua ajudando seus compatriotas em outros pequenos serviços de natureza similar.

Leon é seu nome e sua mulher, Anna, é uma judia alemã que já no início da estória está internada em uma clínica catatônica, após o traumático afundamento de um dos navios em que ela ajudava a contrabandear para a Palestina um grupo de judeus que procuravam uma vida nova no nascente estado de Israel.

As visitas a Anna na clinica servem para nos apresentar ao passado da personagem principal e explicar suas relações com Mihai, um judeu do Mossad que vai ajudar Leon a sair das várias situações complicadas em que ele se mete quando tenta ajudar seu país a tirar das mãos dos soviéticos um importante militar romeno, que se torna objeto da cobiça dos vários serviços secretos que atuam na cidade turca.

As desventuras de Leon na tentativa de cumprir a missão que lhe foi confiada envolvem assassinatos misteriosos, disputas de competência entre a polícia política do governo turco e a polícia turca, encontros furtivos em festas suntuosas patrocinadas por personagens saídas dos períodos que antecederam a ascensão de Ataturk e permitem ao leitor um interessante passeio pela cidade de Istambul, tanto na sua parte antiga, como na então parte moderna no lado ocidental, com direito a rápidas incursões pelos antigos bairros do lado asiático da cidade.

É claro que a cidade de Istambul em meados dos anos quarenta não se compara com a megalópole em ela que se transformou nas últimas décadas, com mais de 14 milhões de habitantes, largas avenidas expressas, aeroportos, pontes e shopping centers. Mas a parte que o turista e o visitante mais frequentemente busca já estava ali desde então: a Hagia Sofia, a Mesquita Azul, a Mesquita Suleymaniye, a ponte Gálata e a Praça Taksin, que naquela época já era o Times Square da região, com neons e ruas movimentadas.

Como no período logo depois da guerra ter gasolina para os carros era um luxo para poucos, nossas personagens andam muito de bonde ou a pé, o que permite que o autor apresente-nos as ruas, bairros, parques, mercados e outros pontos de interesse da cidade. Apresenta também como esse ponto de encontro de muitos povos e muitas culturas permite a formação de uma população que nem é oriental, nem ocidental. Que é conservadora, mas que convive com a diversidade. Que sem perder as suas raízes e tradições, se esforça para acompanhar os ditames da modernidade ocidental.

A Istambul de hoje ainda tem muito disto. Convivem, lado a lado, a milenar história da cidade que foi o centro de mundos e impérios e a cidade que é, provavelmente, a mais cosmopolita daquela região. Duas cidades que ora parecem convergir ora confrontar: como nos restaurantes onde os garçons que nos servem os bons vinhos produzidos na região, não tomam bebida alcoólica por conta de sua religião; ou, onde o turismo é bem vindo e importante, mas as preferências dos turistas nem sempre são bem compreendidas.

Mas não cabe se intimidar. Mesmo sem falar turco e com poucos moradores da cidade que falam inglês ou outra língua mais frequente para os viajadores ocidentais, os de Istambul não medem esforços para tentar nos entender e se fazer entender. Em um dia de sol os prédios monumentais da cidade histórica, as já mencionadas mesquitas, os jardins e o palácio Topkapi e a impressioante Hagia Sofia (igreja, depois mesquita e agora museu) são de tirar o fôlego.
 
A moderna esplanada entre o museu e a Mesquita Azul é um lugar aprazível onde vale a pena sentar para apreciar a beleza do sol refletindo as suas cores e observar as milhares de pessoas que por ali passeiam, conversam e fotografam. 

A monumental cisterna da cidade, construída durante o período bizantino para garantir sua capacidade de resistir a longos cercos de inimigos, é outra atração imperdível. Deixe se impressionar pelas suas dimensões, pela sua umidade penetrante e pelo belo jogo de luzes que a iluminação das mais de trezentas colunas proporciona ao visitante. Prómimo à entrada, não deixe de notar um marco, do Império Romano, que indicava o “quilômetro zero” de todas as estradas de uma época em que a cidade era o centro do mundo.

Vá aos mercados. O Grande Bazar é uma parafernália de produtos das mais variadas qualidades e preços – um desespero para aqueles que não são muito fãs de shoppings e compras – e passeie pelo o mercado das especiarias, com uma oferta multicolorida de alimentos e odores. Vale a pena ir por curiosidade, mas vale a pena mesmo para quem sabe e gosta de negociar, pois Istambul é um ótimo lugar para compras, especialmente de roupas e tecidos.

Não deixe de tomar os deliciosos sucos de romã que são preparados no meio da rua, bem ali na sua frente. Se não quiser arriscar, a mistura do suco de romã com laranja é também muito gostosa e refrescante. Tem um carrinho vendendo-os dentro do Palácio Topkapi, bem do lado da entrada do harém.

Para fechar sua passagem por Istambul, atravesse o chifre de ouro de barco, para ter uma bela vista das ruinas das muralhas e torres que protegiam a cidade em eras passadas e vá visitar o Palácio Dolmabahçe.

Construído no século XIX pelo Sultão Abdulmacid I, o Dolmabahçe rivaliza com os monumentais palácios de franças e europas, com suas belas escadarias, janelas olhando para o estuário e mobiliário sofisticado. Ademais, o fato de oferecer aos visitantes acessos por terra e por água, prática adotada por quase todas as casas dos ricos e famosos de então, faz do palácio um dos mais belos que já visitei.

Assim como a cidade, o romance de Kanon prende o leitor desde o início e faz com que ele queira se envolver nas investigações e viver com as personagens. Sua estória traz os elementos da Istambul que gostamos visitar, embora o fato de usar nomes de ruas e bairros adotados em meados do século passado dificulte, no primeiro momento, que nos localizemos na cidade que durante anos foi centro do mundo para milhões e que ainda hoje serve de ponte para europeus, asiáticos e todos que queiram experimentar do seu caldeirão cultural.

Vale a passagem, vale a viagem!

2 comentários:

  1. Gostei de conhecer Istambul pelo seu olhar e pelas analogias com o romance de Kanon. Mais que a leitura do livro suas palavras me instigaram a transitar em Istambul. Experiências no mundo do oriente são, sem dúvida, deliciosamente estranhas para o nosso olhar e paladar do ocidente.

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  2. Essa é a idéia Isabela, instigar e, se possível, entreter... obrigado pelos comentários e sugestões...

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