domingo, 30 de junho de 2013

Cinquenta Tons de Lima



Não, não é isso que vocês estão pensando.
Ainda não me dei a oportunidade de ler nenhum dos livros da série tons de cinza, especialmente depois das criticas da Maria Eduarda, minha filha, que recomendou não lê-los. Mas não podia perder a frase relacionando a capital peruana com a sensação que tive nas três ou quatro vezes que estive por lá: Lima é uma cidade cinza.

Provavelmente por conta da sua posição geográfica, é nas imediações de Lima que a Corrente Marinha de Humboldt emerge diminuindo a temperatura da água, tornando a costa peruana extremamente piscosa e aumentando a nebulosidade da área. Isso que faz com que o céu limenho e, consequentemente, as águas do mar em frente tenham sempre essa cor acinzentada.
Mas também a areia limenha é cinza, suas praias, ao pé das árvores, nos terrenos baldios, nas calçadas, são muitos os tons de cinza.
Talvez por conta dessa sucessão de cinzas, eu, que me fascino com a luz incidindo sobre paisagens multicoloridas senti uma tendência a me deprimir nas idas àquela cidade. Muitas vezes imaginei como uma caminhada no calçadão de Miraflores seria muito mais bonita à luz do sol no fim de tarde ou tomar um pisco sour enquanto o sol se põe nos mares peruanos?

Mas Lima tem seus brilhos e suas cores. Apesar do tempo sempre nublado e da chuva que nunca vem – é curioso como a nebulosidade permanente da cidade raramente se converte em chuva. Diz meu pai que quando ele morou no Peru, os barracos das periferias da cidade sequer tinham telhados, pois raramente chovia – a cidade tem monumentos históricos e arquitetônicos de brilho ímpar.
Lima foi a capital do Vice-Reinado do Peru, durante os séculos XVII e XVIII e por ela passavam as toneladas e toneladas de prata e ouro que fluíam da América do Sul espanhola para Madri e, assim, algo da riqueza e muito do fausto barroco espanhol encontrou representações na cidade.

A Plaza de Armas de Lima, com seus palácios e prédios históricos, como a Casa de Pizarro, ainda guarda muito deste período de riqueza, assim como as igrejas, capelas e mosteiros que existem na cidade. Também no Museu do Ouro pode-se ter uma ideia das riquezas desse período, seja pelas maravilhosas joias do período pre-colombiano, seja pela representação dos quartos cheios de ouro e de prata que Pizarro pediu aos Incas como resgate de seu líder Atahualpa.
Mas o livro que me acompanha na viagem para Lima não trata do período da colônia espanhola, mas do início do Século XIX quando toda a América do Sul se movimentava em busca de sua independência. Escrito por Miguel Bonasso, o livro La Vengazna de los Patriotas, tem como pano de fundo as guerras de independência promovidas por José de San Martin, especialmente a independência do Peru, tendo personagem principal Bernardo de Monteagudo, advogado, jornalista e ativista político, nascido em Tucuman, no nordeste da Argentina, que participou ativamente das companhas San Martín.

Apesar do caráter histórico do romance, o livro de Bonasso é uma novela policial tendo como motivação central as investigações sobre o assassinato da personagem principal nas sombras nas ruas limenhas, depois de ter alcançado todo o sucesso nas investidas revolucionárias na América do Sul.
Nesta investigação somos apresentados ao Coronel Ayala, personagem ficcional, que é o investigador e, ao mesmo tempo, o encarregado por cumprir as missões menos nobres de Monteagudo neste esforço de se consolidar no poder. Conhecemos também a importância de San Martin nos processos emancipatórios de Argentina, Chile e Peru. Uma importância equivalente à de Bolivar, só que sem a pretensão bolivariana de construir uma América espanhola unida.

Partindo de Santiago de Chile, onde haviam ajudado Bernardo O´Higgings na independência daquele país, Monteagudo e San Martin embarcam em uma esquadra com 24 navios para sitiar e tomar o principal bastião espanhol na América do Sul. Com ajuda do mercenário Lord Cochrane – o mesmo que vai ajudar Pedro I a consolidar a nossa independência – os revoltosos fecham a entrada do porto e tomam o Callao, porto-fortaleza que protegia a cidade de Lima.
De lá organizam o cerco à cidade, que resiste às investidas dos revolucionários, sendo destacado o papel de Monteagudo nas ações de propaganda política e no estímulo aos limenhos que também aspiravam a independência de Espanha. Depois dos sucessos militares e das bem urdidas tramas, San Martin entra na capital peruana como herói libertador e, o povo peruano, entrega a ele o governo da nação que se torna autônoma e outorga o título de El Protector Supremo.

Mas o general é um guerreiro, mais que um governante, e prossegue nas suas campanhas pela libertação sul-americana. Neste processo, o leitor vai testemunhar o encontro dos dois maiores generais da América espanhola em Guayaquil, no que viria a ser o Equador, depois que Bolivar já havia conquistado a emancipação do que hoje conhecemos como Venezuela e Colômbia e o San Martin com vitórias na Argentina, no Chile e Peru.
Em Lima, Monteagudo, que havia sido deixado por San Martin como seu preposto na estruturação da república peruana, começa a se envolver na rede de intrigas e interesses dos lideres do movimento peruano e do que restara da antiga corte do Vice-Rei de Espanha, pelo menos daquela parcela que havia aderido ao movimento revolucionário, já que os que se mantiveram fiéis à Coroa Espanhola haviam fugido para o Alto Peru.

Enquanto os generais, tendo à frente Bolívar, retornam para fazer frente ao que sobrara do exercito espanhol que se refugiara nas florestas e nas montanhas da Bolívia, a situação política de Monteagudo e San Martin piora dramaticamente em Lima, com uma série de denúncias de favorecimentos, corrupção e enriquecimento ilícito. Somando-se a isto a tendência a namorador de Bernardo de Monteagudo, está montado o cenário para a deposição e exilio do preposto de San Martin e, pouco depois, para o seu assassinato numa noite qualquer numa viela de Lima, nas imediações do Palácio do Governo.
A queda e exilio de Monteagudo é o ponto final no governo peruano do Protetor. Desencantado com os rumos das independências sul-americanas, San Martin parte para o exílio na Europa, indo terminar sua vida em seu refúgio pessoal em Bruxelas. Em Lima as investigações e perseguições decorrentes do assassinato de Monteagudo dão margem a ajustes de contas e outras mortes em meio à disputas de poder, envolvendo a igreja, funcionários do Estado e as famílias mais nobres de Lima.

O Callao ainda é o principal porto do Peru, como era há 200 anos atrás, e daí ainda se divisa o Castelo Real Felipe, que já o protegia desde os anos dourados do vice reinado. Também ali está uma base naval e o colégio militar para realçar sua importância para a segurança do país.

Ademais, agora a cidade é a porta de entrada para turistas e visitantes de todo o mundo, pois ali está o aeroporto internacional de Lima. Logo, todos que visitam a capital peruana hoje, se obrigam a percorrer a ligação entre Lima e Callao, que na época de San Martin se fazia a cavalo por fazendas e campos, onde Monteagudo se refugiava em conspirações e encontros amorosos e que hoje é uma larga avenida que mal comporta o intenso ir e vir de carros, ônibus e taxis verde-brancos.

A cidade também se expandiu para muito além dos limites da antiga capital e hoje é uma metrópole com cerca de 8 milhões de habitantes, com uma culinária cada vez mais refinada e reconhecida – especialmente os ceviches – e com uma noite muito agitada.

Mas quando amanhece, o mar continua a refletir o monótono tom de cinza dos céus de Lima, que hoje contrastam com a cidade cheia de luzes e movimento, mas que acobertaram a chegada da frota de San Martin e que permitiram que Monteagudo encontrasse o auge de sua carreira e a sua morte.

sábado, 22 de junho de 2013

Reformador do Estado e da Cidade



O Século XVIII provocou em Portugal dois grandes terramotos - sim, é assim que se escreve no português de lá: um sismo que devastou a cidade de Lisboa e um movimento que revolucionou a forma como o reino se organizava. Personagem ativa nesses dois eventos cataclísmicos: Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal.
Quem hoje percorre as retilíneas ruas da baixa de Lisboa, do trajeto que vai do Rocio até a Praça do Comércio, percorrendo os hoje gastos paralelepípedos da Rua Aurea, da Rua Augusta ou da Rua da Prata, passeando entre os restaurantes de comidas típicas, os cafés e os vendedores que ocupam aquelas vias, talvez não tenha noção do ocorrido naquela região da cidade na fatídica manhã de 1º de novembro de 1755.

Até aquela data, a parte baixa da cidade, espremida entre a Freguesia do Castelo, onde fica o Castelo de São Jorge e o Terreiro do Paço, onde estava o Palácio de Dom José I, era um emaranhado de vielas e casas apinhadas umas sobre as outras, como qualquer cidade medieval europeia.
Quem, hoje, subir a colina do castelo e fizer uma caminhada pelas ruas da Alfama, provavelmente buscando uma das muitas casas de fado da área, vai ter uma ideia de como era a baixa, então.

Como hoje ainda se vê, aqui e ali as ruas tortas se abriam em um largo – ou uma pequena praça – onde com certeza estava postada, em um de seus lados – uma igreja, às vezes duas. E, sendo o povo português muito religioso, naquela fria manhã de novembro todas essas igrejas estavam apinhadas de gente a assistir às missas do Dia de Todos os Santos quando, de repente, a terra tremeu.
Não qualquer tremor! Um abalo sísmico de enorme magnitude que pôs abaixo quase todos os prédios da cidade, muitos dos quais construídos com o ouro que fluía das minas gerais do Brasil ou das especiarias das Índias.

As velas que iluminavam as igrejas ou pagavam as promessas dos fiéis, uma vez abandonadas, atearam fogo aos paramentos e móveis de igrejas e domicílios, provocando incêndios que se alastravam por toda a cidade.
Em um cenário desesperador, pessoas morriam soterradas, queimadas ou pisoteadas por outras que tentavam escapar da tragédia correndo na direção do Tejo. Em algumas horas milhares se espremiam nas margens do rio, enquanto outras subiam em botes, navios e outras embarcações, apostando, paradoxalmente, encontrar ali um porto seguro para os tremores e desabamentos que continuavam a ocorrer.

Enquanto os lisboetas esperavam pela clemência do Senhor e acreditavam ter quitado suas dívidas com O Altíssimo, o Tejo se levantou impulsionado por um enorme tsunami e arrastou para fundo do mar o pouco que ainda restara da capital lusa e de seus habitantes.
A tragédia lisboeta está descrita com qualidade e precisão, no ótimo livro A Voz da Terra, de Miguel Real. O rei e sua corte, apavorados fogem para a região de Belém e durante muitos anos vão ficar acampados em tendas nos jardins em frente ao Mosteiro dos Jerônimos, temendo outro cataclismo que viesse cobrar sua vida. Dom José, por exemplo, nunca se recuperou da fobia de lugares fechados que o perseguiu desde então.

A frente da tarefa de organizar a turba descontrolada, acolher os mais necessitados e iniciar as obras que – por conta da destruição – permitiram dar esta feição de tabuleiro de xadrez às ruas da cidade estava o nosso Sebastião José, que não havia 5 anos tinha assumido o importante posto de Secretário de Estado, equivalente a um primeiro ministro do reino.
Pombal não é, entretanto, a personagem central do livro de Real. Para contar a história do terramoto, o autor recorre a Julinho e seu escravo Florentino. Filho de português que fez fortuna com o açúcar pernambucano, Julinho se traslada do Recife para tentar a vida na Metrópole e acaba se envolvendo em uma rede de intrigas, relacionamentos e de mistérios associados às nascentes pretensões brasileiras de autonomia política e econômica. Isto, no exato momento em que a Corte é abalada pelo evento.

Mas o Marquês está lá, atarefado, reorganizando o país, sua capital e suas finanças. Ao mesmo tempo em que se dedica a reconstruir Lisboa, Pombal está empenhado em outro grande projeto: o de reformar o Estado Português, diminuindo a força e a influência da igreja; expulsando os jesuítas de Portugal e de suas colônias; e, investindo sua força e inteligência maquiavélica para diminuir a influência das famílias mais tradicionais na Corte.
Deste esforço talvez o caso mais marcante e controverso da carreira reformadora de Pombal - o Processo dos Távoras - culminou com a execução em praça pública do Marquês de Távora, chefe de uma das famílias mais tradicionais de Portugal, seus dois filhos, além da prisão de muitos outros nobres portugueses.

O processo se inicia 3 anos depois do terramoto. O ano é 1758 e tem como ponto de partida a tentativa de assassinar o Rei Dom José I, quando a carruagem em que ele estava é alvejada por desconhecidos quando ele saía, furtivamente, de um encontro amoroso com Teresa de Távora, nora do Marquês.
A partir daí, Pombal assume o processo de investigação da tentativa de regicídio e depois da prisão de um auxiliar do Duque de Aveiro, que supostamente teria participado do atentado, arranca confissões e delações que findam por envolver os Távora, o Duque de Aveiro, o marquês de Alorna, o Conde de Atuoguia e vários representantes das tradicionais famílias lusitanas.

Um segundo livro nos permite conhecer esta outra faceta de Pombal. O estadista frio e calculista, capaz de mandar homens e mulheres para o patíbulo como parte de um projeto de poder.
O Último Távora, de José Norton, narra com detalhes o processo em questão a partir da história de Pedro de Almeida Portugal, neto do Marquês de Távora que, por conta de sua pouca idade, acaba sendo poupado da estratégia de Pombal que, contraditoriamente, nas sombras, assume o papel de tutor do futuro 3º Marquês de Alorna, que por 18 anos fica afastado de pais, irmãs e primos, todos presos ou exilados.

Com a eliminação do Duque de Aveiro, um possível pretendente ao trono português, dos Távora, do afastamento da corte dos jesuítas e de membros das famílias mais tradicionais, Pombal se livrou de seus principais adversários políticos e conseguiu fazer avançar as reformas necessárias para modernizar o Reino.
Colecionando vitórias políticas, Pombal concluiu seu projeto de remodelagem de Lisboa, enfraqueceu a Inquisição Portuguesa oxigenando as relações entre Igreja e Coroa, reformou a educação ao afastar os jesuítas, tentou estimular a indústria local para diminuir a dependência das importações vindas da Inglaterra e com isto dinamizar a economia lusa. Reformou cidade e estado. Remodelou Portugal para o século XIX que se aproximava.

Pelos serviços prestados à Coroa foi nomeado 1º Conde de Oeiras e na sequência Marquês de Pombal. Como todos os grandes reformadores é, talvez, a mais controversa personagem da história portuguesa.
Para aqueles que agora, no Século XXI, visitam a capital portuguesa ele está por todos os lados. Nas já mencionadas ruas da cidade baixa, no esplêndido arco de entrada na Praça do Comércio ao final da Rua Augusta ou no alto da coluna que fica no centro da praça que leva seu nome, de onde sua estátua contempla, mais de 250 anos depois, o seu legado urbanístico e político.

Para os menos preocupados com a história, há sempre a opção de fazer uma caminhada pela Avenida da Liberdade, entrar em um dos muitos bons restaurantes da região para apreciar um delicioso vinho alentejano ou da região do Douro ou, dispondo de fôlego e condicionamento físico, seguir até o Rocio, fazer a visita de praxe à Confeitaria Suiça para apreciar um café, enquanto a tarde cai sobre os prédios de Lisboa.

sábado, 15 de junho de 2013

Outra Bretanha, outra Rainha.


São muitas as maneiras de conhecer a Grã Bretanha. Podemos considera-la em função dos diferentes países que estão ali compreendidos, dos diferentes sotaques, das muitas paisagens, das variadas cidades, das diferentes dinastias ou de diferentes períodos históricos: romanos, vikings, celtas, saxões, normandos, todos passaram por aí.

O livro e a viagem de hoje nos levam a um período em que ainda não havia Grã Bretanha como conhecemos. Inglaterra e Escócia eram reinos separados, com suas cortes, seus reis, rainhas e suas intrigas palacianas.
Claro que pela proximidade, geográfica e genealógica, o que acontecia de um lado da fronteira repercutia do outro. Eram anos de turbulência e de conflitos de natureza política e religiosa que colocavam católicos e protestantes de lados opostos na política e nas guerras.

Depois de uma série de disputas pela sucessão do trono da Inglaterra, com a morte da rainha católica Mary I, a bloody mary,  sua meia irmã Elizabeth I, que era protestante, assume a coroa e inicia um reinado que durará mais de meio século e que marcará de forma definitiva o país.
O ambiente político na Inglaterra ainda estava bastante confuso quando na vizinha Escócia, o Rei Jaime V, sofre um acidente e morre precocemente. Sua filha Mary Stuart é coroada rainha antes de completar um ano de idade e, juntamente com a mãe, se muda para a França para ser educada e se casar com o Delfim, virando Rainha da Escócia e da França.

A bela Mary não tinha chegado aos 19 anos quando o marido morre e ela retorna a sua terra natal para governar, casando-se pela segunda vez, agora com um primo, Henrique Stuart, Lorde Darnley.
O primo ambicioso não se conforma em ser rei consorte e, com apoio de outros lordes, começa a organizar um complô para assumir de forma definitiva a coroa da Escócia. Mary Stuart reage e com a ajuda do Conde Bothwell – com quem depois se casará – enfrenta o marido que acaba sendo morto. Todas as acusações se dirigem para o Conde e para Mary Stuart que acaba sendo obrigada a fugir para a Inglaterra deixando seu filho recém-nascido sob os cuidados de pessoas de sua confiança no castelo de Stirling.

É aqui que começa a estória de Bess, personagem principal do livro A Outra Rainha, de Philippa Gregory. Cortesã inglesa, protestante, nascida na pobreza e que ao longo da vida, com muito esforço e dedicação, vai construindo sua fortuna. Com o seu terceiro casamento soma à riqueza adquirida uma posição na Corte ao se transformar na Condessa de Shrewsbury.
Nesta trajetória, Bess contou com o apoio de um amigo de infância, protestante de origem humilde como a dela que vai se transformar no principal conselheiro da Rainha, William Cecil.
O drama de Bess se inicia quando a Rainha Elizabeth I, influenciada por Cecil, pede aos condes de Shrewsbury que hospedem, em uma de suas propriedades, a refugiada Mary Stuart. O pedido da rainha, que não pode ser recusado, é ao mesmo tempo uma honra e um contratempo, já que os custos de manter tão importante hóspede e todo seu entourage deixarão a eficiente Bess de cabelos em pé e comprometerão as finanças do casal por um bom tempo.

O abrigo concedido à rainha escocesa era, no primeiro momento, uma discreta forma de manter Mary Stuart sob a custódia de pessoas da confiança de Elizabeth evitando que se espalhassem movimentos que defendiam a escocesa como a legítima herdeira da dinastia Tudor. Depois, quando os lordes do Norte, entre eles o Duque de Norfolk, primo das rainhas, começam a conspirar em favor de Mary, a custódia se transforma em prisão de fato.
Tudo mais se agrava – para a personagem principal – quando ela descobre que seu querido marido George está apaixonado pela rainha da Escócia, um amor inalcançável que coloca o Conde como suspeito das muitas conspirações contra Elizabeth I.

A estória de Bess e Mary Stuart é parte da história dessa outra Grã Bretanha, a do Século XVI, em especial da Escócia e de Edimburgo. São muitas as referências ao castelo da capital e ao Palácio de Holyrood, onde Mary viveu durante seu reinado. Muitas também são as referências às regiões da fronteira, como a Nortúmbria e o Yorkshire.
Ainda hoje se encontra muito deste período na capital escocesa. O maravilhoso Castelo de Edimburgo continua lá, pairando sobre a cidade de modo vigilante e imponente. Uma caminhada pela Princes Street permite que você se delicie com aquele monumento da arquitetura de guerra medieval. Mais impressionante é a vista da Royal Mile, a rua que liga o Castelo ao Palácio de Holyrood, por onde os reis escoceses passavam quando dos cortejos em suas coroações ou outras datas cívicas importantes.

O Castelo não é imponente apenas de fora. Algumas horas merecem ser dedicadas a conhecer suas dependências e seus mais de 10 séculos de história. Em especial: o Grande Hall, recentemente restaurado em toda sua imponência; a pequena capela de Santa Margarida, única edificação do castelo que não foi destruída por Robert Bruce nas guerras de independência; assim como a visita às jóias da Coroa Escocesa, que apesar das filas um tanto demoradas, vale a pena ir.
Saindo do castelo, aprecie a Royal Mile em toda a sua extensão até o palácio, mas se prepare para os 1,6 Km de caminhada, especialmente para a volta, já que do castelo ao palácio é uma decida. No trajeto são vários os prédios do período de Mary e Bess, ou mesmo anteriores a ele, que dão à rua um charme todo especial. Isto sem falar no movimento das muitas lojas de souvenires, dos pubs, do The Hub, dos tocadores de gaitas de fole, palhaços e outros artistas de rua. No caminho passa-se pela Catedral de Saint Giles, pelo prédio do parlamento e pelo o prédio da prefeitura, dando maior imponência à vizinhança.

O Palácio de Holyrood, na extremidade oposta da Royal Mile foi completamente reformado e, atualmente, é a residência da Rainha Elizabeth II na Escócia. Ele está aberto a visitação, isto quando ela não está por lá, o que em regra só acontece em julho. Aqui também vale a visita, especialmente ao quarto de Mary Stuart que está lá preservado (ou reconstituído), assim como o do Lorde Danrley. Ao lado do edifício principal, estão as ruinas da Abadia de Holyrood que junto com o belo jardim do palácio completam a visita e fecham, com chave de ouro, a famosa milha.
Mas a viagem com Mary Stuart não se limita a Edimburgo. A cerca de 50 Km de lá está a cidade de Stirling com seu castelo, o mesmo que Mary Stuart mandou seu filho Jaime para escapar da perseguição de seus adversários. Além do castelo, a cidade foi palco da famosa vitória de William Wallace sobre os ingleses no Século XIII – quem não assistiu Coração Valente? – e a pouca distância do Palácio há um enorme monumento homenageando o herói nacional.

Nas imediações de Shrewsbury e Conventry estavam os castelos e as propriedades de Bess e George, alguns pelos quais Mary Stuart circulou durante os mais de 20 anos que foi prisioneira da prima.
A outra rainha conspirou em vão, esperando o apoio dos reis de Espanha, de seus partidários na Escócia ou de seus parentes na França, apoio que nunca veio. Por conta dessas conspirações Norfolk foi condenado a morte por alta traição à Rainha, sofrendo o mesmo destino de seu avô no reinado de Henrique VIII.
A paixão do Conde de Shrewsbury pela outra fez com que a rainha da Inglaterra desconfiasse de sua lealdade e, talvez por isto, ele acabou sendo condenado a ser o guardião de Mary Stuart enquanto ela ficasse viva, uma tortura diária já que ele temia que a qualquer momento sua querida rainha fosse condenada à morte também.

Bess, depois de superado o desespero inicial, negociou com George a separação dos patrimônios e assumiu o comando das propriedades - dela e do marido - e com o apoio de seu amigo Cecil recompôs sua fortuna e continuou condessa, ainda que o casamento tenha ficado muito abalado.
No livro, Philippa Gregory nos conta que Mary Stuart ficou sob a guarda dos Shrewsbury por cerca de 20 anos, até que Elizabeth perdeu a paciência com ela e seus movimentos conspiratórios e condenou-a a morte por traição.

Anos depois, quando Elizabeth morreu, sem deixar filhos, seu primo Jaime VI, rei da Escócia e filho de Mary Stuart, tornou-se Jaime I da Inglaterra e deu início ao processo de unificação dos reinos e de construção da Grã Bretanha.
Hoje, quem for visitar a Abadia de Westminster em Londres verá em capelas suntuosamente ornadas os túmulos de Elizabeth I e Mary Stuart. Uma e outra, lado a lado, para toda a eternidade.

sábado, 8 de junho de 2013

Um herói sem caráter e a cara do Rio


Nessa semana minha avó Dolores completa 99 anos, por isso, a viagem com livros que proponho é tão familiar, tanto na escolha da autora, como na escolha do destino: o Rio de Janeiro.

Familiar porque já fui ao Rio inúmeras vezes, pelos mais variados motivos: por razões de trabalho, a passeio, para o carnaval, para um evento cultural ou para o aniversário de 40 anos do meu irmão que mora ali em um apartamento em Ipanema, bem na Praça General Osório.

Entretanto, tantas idas e vindas à capital fluminense não significa que tenha me apaixonado incondicionalmente pela Cidade Maravilhosa, impressionado pela sua exuberância natural ou pela sua agitada vida social. Pelo contrário!

Demorei a gostar do Rio de Janeiro. Não que suas belas praias, o Corcovado, o bondinho do Pão de Açúcar ou de Santa Teresa ou mesmo o carnaval não componham a receita quase perfeita para arrebatar corações e provocar paixões fulminantes, não por isso, mas porque, apesar de todos os atrativos, sempre desconfiei do seu caráter.
Ao longo desses anos, sempre me impressionou o fato de que quando eu ia para lá, mesmo nos anos em que o problema da criminalidade estava mais crítico, eu não tinha medo pela violência. Iria, como fui mais de uma vez, à Rocinha, Vigário Geral, Parada de Lucas e outras áreas consideradas pouco recomendadas. Até mesmo na Maré fui mais de uma vez, por conta do trabalho. Isso antes das tais UPPs. Mas isto não me incomodava.

O que realmente me incomodava era uma estranha sensação de que todos estavam ali para “se dar bem” em cima do primeiro otário que aparecesse e, o otário era eu! Assim, o motorista de taxi, o vendedor de  biscoitos Globo, o garçom do botequim ou um vendedor de rua eram permanente ameaça e toda relação – principalmente aquelas que envolviam dinheiro – ficava comprometida por uma sensação de que eu estava sendo enganado. Certamente o problema era meu, mas me assustava a falta de caráter do Rio.
Falta de caráter também é o viés adotado por Isabel Lustosa (estão vendo porque é uma viagem familiar) para tratar dessa maravilhosa personagem da história brasileira no seu excelente livro Dom Pedro I – Um Herói sem Nenhum Caráter.

Com um texto de muito boa qualidade e fundamentada em sólida pesquisa, a autora mostra um imperador que se declarava liberal – e assim foi tratado por seus pares portugueses – mas que dissolveu a constituinte de 1823 e nos outorgou a Constituição de 1824 com a inovadora figura do Poder Moderador.
Um gestor que se cercou de assessores de caráter mais que duvidoso, que deixava a corrupção grassar ao redor e vivia se endividando com gastos desmedidos, mas que era extremamente mesquinho nos gastos da Imperatriz e na sua casa.

Um marido que colecionava amantes, sem o cuidado sequer de esconder ou disfarçar, que expunha as mulheres que dizia amar a constrangimentos e violências, mas que se entregava de forma apaixonada a elas, às vezes quase sendo romântico.
Segundo Isabel, Dom Pedro era assim: o homem com muitas falhas de caráter e o herói que num arroubo proclamou a independência do Brasil, enfrentou a resistência portuguesa, reprimiu os levantes e manteve unido um Império de largas extensões e grande diversidade, enquanto o resto da América do Sul se fragmentava em inúmeras repúblicas.

Um herói também para os portugueses, quando ao abdicar da Coroa brasileira deixando seu filho Pedro para substituí-lo, voltou a Portugal, enfrentou os conservadores ligados ao seu irmão Miguel, ratificou a constituição liberal nascida nas Cortes do Porto e deixou sua filha Maria como Rainha.
Um herói que vivia nas noites do Rio de Janeiro, na companhia do inseparável Chalaça, bebendo, se metendo em confusões e correndo atrás de qualquer rabo de saia, quando assim o apetecia. Um homem capaz de, a partir da Corte do Rio, ser notado em américas e europas, pelo bem e pelo mal, merecendo assim ser colocado no panteão de heróis de duas nações. Um herói Macunaíma, mas um herói.

Assim como Pedro, assim como o Rio de Janeiro. Cidade berço da malandragem, onde a lei de Gérson parecia sempre prevalecer, mas cidade de beleza incomparável, com uma riqueza natural indisputável e um patrimônio histórico que todos os brasileiros precisam conhecer.
O Rio de Janeiro do Paço Imperial, da Cinelândia ou do almoço no Aprazível lá em Santa Tereza. O Rio do bar Devassa em Ipanema ou mesmo de uma cerveja gelada em qualquer um dos muitos barzinhos do Leblon ou do Leme. O Rio das Laranjeiras, da Tijuca, da Zona Norte e, até mesmo, o Rio da Barra. O Rio do Maracanã, da Lagoa Rodrigo de Freitas, dos ótimos centros culturais e museus no centro, do futebol com os amigos no aterro do Flamengo ou do vôlei de praia em Copacabana. São muitas cidades, muitas opções. Todas merecem uma visita e tem seu valor.

Da minha parte, já há alguns anos consegui superar o preconceito que tinha com a Cidade Maravilhosa e sua população. A cada visita, a cada permanência conhecia novas pessoas, fazia amigos, descobria recantos da cidade onde se leva uma vida pacata e amistosa.
Claro que o Rio continua sendo a cidade da malandragem e que, como toda cidade daquele tamanho, tem seus espertos querendo levar vantagem em tudo. Mas a cidade é muito mais que isto.

Por isto e porque essa é uma viagem familiar, a foto escolhida para representa-la tem a malandrinha carioca mais querida do mundo: minha sobrinha e afilhada Júlia. Hoje isso é o que melhor representa a malandragem do Rio para mim.