O Século XVIII provocou em Portugal dois grandes
terramotos - sim, é assim que se escreve no português de lá: um sismo que
devastou a cidade de Lisboa e um movimento que revolucionou a forma como o
reino se organizava. Personagem ativa nesses dois eventos cataclísmicos:
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal.
Quem hoje percorre as retilíneas ruas da baixa de Lisboa,
do trajeto que vai do Rocio até a Praça do Comércio, percorrendo os hoje gastos
paralelepípedos da Rua Aurea, da Rua Augusta ou da Rua da Prata, passeando
entre os restaurantes de comidas típicas, os cafés e os vendedores que ocupam
aquelas vias, talvez não tenha noção do ocorrido naquela região da cidade na
fatídica manhã de 1º de novembro de 1755.
Até aquela data, a parte baixa da cidade, espremida entre a Freguesia do Castelo, onde fica o Castelo de São
Jorge e o Terreiro do Paço, onde estava o Palácio de Dom José I, era um
emaranhado de vielas e casas apinhadas umas sobre as outras, como qualquer
cidade medieval europeia.
Quem, hoje, subir a colina do castelo e fizer
uma caminhada pelas ruas da Alfama, provavelmente buscando uma das muitas casas de
fado da área, vai ter uma ideia de como era a baixa, então.
Como hoje ainda se vê, aqui e ali as ruas tortas
se abriam em um largo – ou uma pequena praça – onde com certeza estava postada,
em um de seus lados – uma igreja, às vezes duas. E, sendo o povo português muito
religioso, naquela fria manhã de novembro todas essas igrejas estavam apinhadas
de gente a assistir às missas do Dia de Todos os Santos quando, de repente, a
terra tremeu.
Não qualquer tremor! Um abalo sísmico de enorme
magnitude que pôs abaixo quase todos os prédios da cidade, muitos dos quais
construídos com o ouro que fluía das minas gerais do Brasil ou das especiarias
das Índias.
As velas que iluminavam as igrejas ou pagavam as
promessas dos fiéis, uma vez abandonadas, atearam fogo aos paramentos e móveis
de igrejas e domicílios, provocando incêndios que se alastravam por toda a
cidade.
Em um cenário desesperador, pessoas morriam soterradas,
queimadas ou pisoteadas por outras que tentavam escapar da tragédia correndo na
direção do Tejo. Em algumas horas milhares se espremiam nas margens do rio,
enquanto outras subiam em botes, navios e outras embarcações, apostando,
paradoxalmente, encontrar ali um porto seguro para os tremores e desabamentos
que continuavam a ocorrer.
Enquanto os lisboetas esperavam pela clemência do
Senhor e acreditavam ter quitado suas dívidas com O Altíssimo, o Tejo se
levantou impulsionado por um enorme tsunami e arrastou para fundo do mar o
pouco que ainda restara da capital lusa e de seus habitantes.
A tragédia lisboeta está descrita com qualidade e
precisão, no ótimo livro A Voz da Terra, de Miguel Real. O
rei e sua corte, apavorados fogem para a região de Belém e durante muitos anos
vão ficar acampados em tendas nos jardins em frente ao Mosteiro dos Jerônimos, temendo
outro cataclismo que viesse cobrar sua vida. Dom José, por exemplo, nunca se
recuperou da fobia de lugares fechados que o perseguiu desde então.
A frente da tarefa de organizar a turba
descontrolada, acolher os mais necessitados e iniciar as obras que – por conta
da destruição – permitiram dar esta feição de tabuleiro de xadrez às ruas da
cidade estava o nosso Sebastião José, que não havia 5 anos tinha assumido o
importante posto de Secretário de Estado, equivalente a um primeiro ministro do
reino.
Pombal não é, entretanto, a personagem central do
livro de Real. Para contar a história do terramoto, o autor recorre a Julinho e
seu escravo Florentino. Filho de português que fez fortuna com o açúcar
pernambucano, Julinho se traslada do Recife para tentar a vida na Metrópole e
acaba se envolvendo em uma rede de intrigas, relacionamentos e de mistérios associados
às nascentes pretensões brasileiras de autonomia política e econômica. Isto, no
exato momento em que a Corte é abalada pelo evento.
Mas o Marquês está lá, atarefado, reorganizando o
país, sua capital e suas finanças. Ao mesmo tempo em que se dedica a
reconstruir Lisboa, Pombal está empenhado em outro grande projeto: o de
reformar o Estado Português, diminuindo a força e a influência da igreja;
expulsando os jesuítas de Portugal e de suas colônias; e, investindo sua força
e inteligência maquiavélica para diminuir a influência das famílias mais
tradicionais na Corte.
Deste esforço talvez o caso mais marcante e
controverso da carreira reformadora de Pombal - o Processo dos Távoras -
culminou com a execução em praça pública do Marquês de Távora, chefe de uma das
famílias mais tradicionais de Portugal, seus dois filhos, além da prisão de
muitos outros nobres portugueses.
O processo se inicia 3 anos depois do terramoto. O
ano é 1758 e tem como ponto de partida a tentativa de assassinar o
Rei Dom José I, quando a carruagem em que ele estava é alvejada por
desconhecidos quando ele saía, furtivamente, de um encontro amoroso com Teresa
de Távora, nora do Marquês.
A partir daí, Pombal assume o processo de
investigação da tentativa de regicídio e depois da prisão de um auxiliar do
Duque de Aveiro, que supostamente teria participado do atentado, arranca
confissões e delações que findam por envolver os Távora, o Duque de Aveiro, o marquês
de Alorna, o Conde de Atuoguia e vários representantes das tradicionais
famílias lusitanas.
Um segundo livro nos permite conhecer esta outra
faceta de Pombal. O estadista frio e calculista, capaz de mandar homens e
mulheres para o patíbulo como parte de um projeto de poder.
O
Último Távora, de José Norton, narra com detalhes o
processo em questão a partir da história de Pedro de Almeida Portugal, neto do
Marquês de Távora que, por conta de sua pouca idade, acaba sendo poupado da
estratégia de Pombal que, contraditoriamente, nas sombras, assume o papel de tutor
do futuro 3º Marquês de Alorna, que por 18 anos fica afastado de pais, irmãs e
primos, todos presos ou exilados.
Com a eliminação do Duque de Aveiro, um possível
pretendente ao trono português, dos Távora, do afastamento da corte dos
jesuítas e de membros das famílias mais tradicionais, Pombal se livrou de seus
principais adversários políticos e conseguiu fazer avançar as reformas
necessárias para modernizar o Reino.
Colecionando vitórias políticas, Pombal concluiu
seu projeto de remodelagem de Lisboa, enfraqueceu a Inquisição Portuguesa
oxigenando as relações entre Igreja e Coroa, reformou a educação ao afastar os
jesuítas, tentou estimular a indústria local para diminuir a dependência das
importações vindas da Inglaterra e com isto dinamizar a economia lusa. Reformou
cidade e estado. Remodelou Portugal para o século XIX que se aproximava.
Pelos serviços prestados à Coroa foi
nomeado 1º Conde de Oeiras e na sequência Marquês de Pombal. Como todos os grandes
reformadores é, talvez, a mais controversa personagem da história portuguesa.
Para aqueles que agora, no Século XXI, visitam a
capital portuguesa ele está por todos os lados. Nas já mencionadas ruas da
cidade baixa, no esplêndido arco de entrada na Praça do Comércio ao final da
Rua Augusta ou no alto da coluna que fica no centro da praça que leva seu nome,
de onde sua estátua contempla, mais de 250 anos depois, o seu legado
urbanístico e político.Para os menos preocupados com a história, há sempre a opção de fazer uma caminhada pela Avenida da Liberdade, entrar em um dos muitos bons restaurantes da região para apreciar um delicioso vinho alentejano ou da região do Douro ou, dispondo de fôlego e condicionamento físico, seguir até o Rocio, fazer a visita de praxe à Confeitaria Suiça para apreciar um café, enquanto a tarde cai sobre os prédios de Lisboa.
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