São muitas as maneiras de conhecer a Grã Bretanha. Podemos considera-la em função dos diferentes países que estão ali compreendidos, dos diferentes sotaques, das muitas paisagens, das variadas cidades, das diferentes dinastias ou de diferentes períodos históricos: romanos, vikings, celtas, saxões, normandos, todos passaram por aí.
O livro e a viagem de hoje nos levam a um período em
que ainda não havia Grã Bretanha como conhecemos. Inglaterra e Escócia eram reinos
separados, com suas cortes, seus reis, rainhas e suas intrigas palacianas.
Claro que pela proximidade, geográfica e genealógica, o
que acontecia de um lado da fronteira repercutia do outro. Eram anos de
turbulência e de conflitos de natureza política e religiosa que colocavam
católicos e protestantes de lados opostos na política e nas guerras.
Depois de uma série de disputas pela sucessão do trono
da Inglaterra, com a morte da rainha católica Mary I, a bloody mary, sua meia irmã Elizabeth I, que era
protestante, assume a coroa e inicia um reinado que durará mais de meio século
e que marcará de forma definitiva o país.
O ambiente político na Inglaterra ainda estava bastante
confuso quando na vizinha Escócia, o Rei Jaime V, sofre um acidente e morre
precocemente. Sua filha Mary Stuart é coroada rainha antes de completar um ano
de idade e, juntamente com a mãe, se muda para a França para ser educada e se
casar com o Delfim, virando Rainha da Escócia e da França.
A bela Mary não tinha chegado aos 19 anos quando o
marido morre e ela retorna a sua terra natal para governar, casando-se pela
segunda vez, agora com um primo, Henrique Stuart, Lorde Darnley.
O primo ambicioso não se conforma em ser rei consorte e,
com apoio de outros lordes, começa a organizar um complô para assumir de forma
definitiva a coroa da Escócia. Mary Stuart reage e com a ajuda do Conde
Bothwell – com quem depois se casará – enfrenta o marido que acaba sendo morto.
Todas as acusações se dirigem para o Conde e para Mary Stuart que acaba sendo
obrigada a fugir para a Inglaterra deixando seu filho recém-nascido sob os
cuidados de pessoas de sua confiança no castelo de Stirling.
É aqui que começa a estória de Bess, personagem
principal do livro A Outra Rainha, de Philippa Gregory. Cortesã inglesa,
protestante, nascida na pobreza e que ao longo da vida, com muito esforço e
dedicação, vai construindo sua fortuna. Com o seu terceiro casamento soma à
riqueza adquirida uma posição na Corte ao se transformar na Condessa de
Shrewsbury.
Nesta trajetória, Bess contou com o apoio de um amigo de infância,
protestante de origem humilde como a dela que vai se transformar no principal
conselheiro da Rainha, William Cecil.
O drama de Bess se inicia quando a Rainha Elizabeth I,
influenciada por Cecil, pede aos condes de Shrewsbury que hospedem, em uma de
suas propriedades, a refugiada Mary Stuart. O pedido da rainha, que não pode
ser recusado, é ao mesmo tempo uma honra e um contratempo, já que os custos de
manter tão importante hóspede e todo seu entourage deixarão a eficiente Bess de
cabelos em pé e comprometerão as finanças do casal por um bom tempo.
O abrigo concedido à rainha escocesa era, no primeiro
momento, uma discreta forma de manter Mary Stuart sob a custódia de pessoas da
confiança de Elizabeth evitando que se espalhassem movimentos que defendiam a
escocesa como a legítima herdeira da dinastia Tudor. Depois, quando os lordes
do Norte, entre eles o Duque de Norfolk, primo das rainhas, começam a conspirar
em favor de Mary, a custódia se transforma em prisão de fato.
Tudo mais se agrava – para a personagem principal –
quando ela descobre que seu querido marido George está apaixonado pela rainha
da Escócia, um amor inalcançável que coloca o Conde como suspeito das muitas
conspirações contra Elizabeth I.
A estória de Bess e Mary Stuart é parte da história
dessa outra Grã Bretanha, a do Século XVI, em especial da Escócia e de
Edimburgo. São muitas as referências ao castelo da capital e ao Palácio de Holyrood,
onde Mary viveu durante seu reinado. Muitas também são as referências às
regiões da fronteira, como a Nortúmbria e o Yorkshire.
Ainda hoje se encontra muito deste
período na capital escocesa. O maravilhoso Castelo de Edimburgo continua lá,
pairando sobre a cidade de modo vigilante e imponente. Uma caminhada pela
Princes Street permite que você se delicie com aquele monumento da arquitetura
de guerra medieval. Mais impressionante é a vista da Royal Mile, a rua que liga
o Castelo ao Palácio de Holyrood, por onde os reis escoceses passavam quando dos
cortejos em suas coroações ou outras datas cívicas importantes.
O Castelo não é imponente apenas de fora. Algumas horas
merecem ser dedicadas a conhecer suas dependências e seus mais de 10 séculos de
história. Em especial: o Grande Hall, recentemente restaurado em toda sua imponência;
a pequena capela de Santa Margarida, única edificação do castelo que não foi
destruída por Robert Bruce nas guerras de independência; assim como a visita às
jóias da Coroa Escocesa, que apesar das filas um tanto demoradas, vale a pena
ir.
Saindo do castelo, aprecie a Royal Mile em toda a sua
extensão até o palácio, mas se prepare para os 1,6 Km de caminhada,
especialmente para a volta, já que do castelo ao palácio é uma decida. No
trajeto são vários os prédios do período de Mary e Bess, ou mesmo anteriores a
ele, que dão à rua um charme todo especial. Isto sem falar no movimento das
muitas lojas de souvenires, dos pubs, do The Hub, dos tocadores de gaitas de
fole, palhaços e outros artistas de rua. No caminho passa-se pela Catedral de
Saint Giles, pelo prédio do parlamento e pelo o prédio da prefeitura, dando
maior imponência à vizinhança.
O Palácio de Holyrood, na extremidade oposta da Royal
Mile foi completamente reformado e, atualmente, é a residência da Rainha
Elizabeth II na Escócia. Ele está aberto a visitação, isto quando ela não
está por lá, o que em regra só acontece em julho. Aqui também vale a visita,
especialmente ao quarto de Mary Stuart que está lá preservado (ou
reconstituído), assim como o do Lorde Danrley. Ao lado do edifício principal,
estão as ruinas da Abadia de Holyrood que junto com o belo jardim do palácio
completam a visita e fecham, com chave de ouro, a famosa milha.
Mas a viagem com Mary Stuart não se limita a Edimburgo.
A cerca de 50 Km de lá está a cidade de Stirling com seu castelo, o mesmo que
Mary Stuart mandou seu filho Jaime para escapar da perseguição de seus
adversários. Além do castelo, a cidade foi palco da famosa vitória de William
Wallace sobre os ingleses no Século XIII – quem não assistiu Coração Valente? –
e a pouca distância do Palácio há um enorme monumento homenageando o herói
nacional.
Nas imediações de Shrewsbury e Conventry estavam os
castelos e as propriedades de Bess e George, alguns pelos quais Mary Stuart circulou
durante os mais de 20 anos que foi prisioneira da prima.
A outra rainha
conspirou em vão, esperando o apoio dos reis de Espanha, de seus partidários
na Escócia ou de seus parentes na França, apoio que nunca veio. Por conta dessas conspirações Norfolk
foi condenado a morte por alta traição à Rainha, sofrendo o mesmo destino de
seu avô no reinado de Henrique VIII.
A paixão do Conde de Shrewsbury pela outra fez com que
a rainha da Inglaterra desconfiasse de sua lealdade e, talvez por isto, ele acabou
sendo condenado a ser o guardião de Mary Stuart enquanto ela ficasse viva, uma
tortura diária já que ele temia que a qualquer momento sua querida rainha fosse
condenada à morte também.
Bess, depois de superado o desespero inicial, negociou
com George a separação dos patrimônios e assumiu o comando das propriedades -
dela e do marido - e com o apoio de seu amigo Cecil recompôs sua fortuna e
continuou condessa, ainda que o casamento tenha ficado muito abalado.
No livro, Philippa Gregory nos conta que Mary Stuart
ficou sob a guarda dos Shrewsbury por cerca de 20 anos, até que Elizabeth
perdeu a paciência com ela e seus movimentos conspiratórios e condenou-a a
morte por traição.
Anos depois, quando Elizabeth morreu, sem deixar
filhos, seu primo Jaime VI, rei da Escócia e filho de Mary Stuart, tornou-se
Jaime I da Inglaterra e deu início ao processo de unificação dos reinos e de construção
da Grã Bretanha.
Hoje, quem for visitar a Abadia de Westminster em
Londres verá em capelas suntuosamente ornadas os túmulos de Elizabeth I e Mary
Stuart. Uma e outra, lado a lado, para toda a eternidade.
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