sábado, 8 de junho de 2013

Um herói sem caráter e a cara do Rio


Nessa semana minha avó Dolores completa 99 anos, por isso, a viagem com livros que proponho é tão familiar, tanto na escolha da autora, como na escolha do destino: o Rio de Janeiro.

Familiar porque já fui ao Rio inúmeras vezes, pelos mais variados motivos: por razões de trabalho, a passeio, para o carnaval, para um evento cultural ou para o aniversário de 40 anos do meu irmão que mora ali em um apartamento em Ipanema, bem na Praça General Osório.

Entretanto, tantas idas e vindas à capital fluminense não significa que tenha me apaixonado incondicionalmente pela Cidade Maravilhosa, impressionado pela sua exuberância natural ou pela sua agitada vida social. Pelo contrário!

Demorei a gostar do Rio de Janeiro. Não que suas belas praias, o Corcovado, o bondinho do Pão de Açúcar ou de Santa Teresa ou mesmo o carnaval não componham a receita quase perfeita para arrebatar corações e provocar paixões fulminantes, não por isso, mas porque, apesar de todos os atrativos, sempre desconfiei do seu caráter.
Ao longo desses anos, sempre me impressionou o fato de que quando eu ia para lá, mesmo nos anos em que o problema da criminalidade estava mais crítico, eu não tinha medo pela violência. Iria, como fui mais de uma vez, à Rocinha, Vigário Geral, Parada de Lucas e outras áreas consideradas pouco recomendadas. Até mesmo na Maré fui mais de uma vez, por conta do trabalho. Isso antes das tais UPPs. Mas isto não me incomodava.

O que realmente me incomodava era uma estranha sensação de que todos estavam ali para “se dar bem” em cima do primeiro otário que aparecesse e, o otário era eu! Assim, o motorista de taxi, o vendedor de  biscoitos Globo, o garçom do botequim ou um vendedor de rua eram permanente ameaça e toda relação – principalmente aquelas que envolviam dinheiro – ficava comprometida por uma sensação de que eu estava sendo enganado. Certamente o problema era meu, mas me assustava a falta de caráter do Rio.
Falta de caráter também é o viés adotado por Isabel Lustosa (estão vendo porque é uma viagem familiar) para tratar dessa maravilhosa personagem da história brasileira no seu excelente livro Dom Pedro I – Um Herói sem Nenhum Caráter.

Com um texto de muito boa qualidade e fundamentada em sólida pesquisa, a autora mostra um imperador que se declarava liberal – e assim foi tratado por seus pares portugueses – mas que dissolveu a constituinte de 1823 e nos outorgou a Constituição de 1824 com a inovadora figura do Poder Moderador.
Um gestor que se cercou de assessores de caráter mais que duvidoso, que deixava a corrupção grassar ao redor e vivia se endividando com gastos desmedidos, mas que era extremamente mesquinho nos gastos da Imperatriz e na sua casa.

Um marido que colecionava amantes, sem o cuidado sequer de esconder ou disfarçar, que expunha as mulheres que dizia amar a constrangimentos e violências, mas que se entregava de forma apaixonada a elas, às vezes quase sendo romântico.
Segundo Isabel, Dom Pedro era assim: o homem com muitas falhas de caráter e o herói que num arroubo proclamou a independência do Brasil, enfrentou a resistência portuguesa, reprimiu os levantes e manteve unido um Império de largas extensões e grande diversidade, enquanto o resto da América do Sul se fragmentava em inúmeras repúblicas.

Um herói também para os portugueses, quando ao abdicar da Coroa brasileira deixando seu filho Pedro para substituí-lo, voltou a Portugal, enfrentou os conservadores ligados ao seu irmão Miguel, ratificou a constituição liberal nascida nas Cortes do Porto e deixou sua filha Maria como Rainha.
Um herói que vivia nas noites do Rio de Janeiro, na companhia do inseparável Chalaça, bebendo, se metendo em confusões e correndo atrás de qualquer rabo de saia, quando assim o apetecia. Um homem capaz de, a partir da Corte do Rio, ser notado em américas e europas, pelo bem e pelo mal, merecendo assim ser colocado no panteão de heróis de duas nações. Um herói Macunaíma, mas um herói.

Assim como Pedro, assim como o Rio de Janeiro. Cidade berço da malandragem, onde a lei de Gérson parecia sempre prevalecer, mas cidade de beleza incomparável, com uma riqueza natural indisputável e um patrimônio histórico que todos os brasileiros precisam conhecer.
O Rio de Janeiro do Paço Imperial, da Cinelândia ou do almoço no Aprazível lá em Santa Tereza. O Rio do bar Devassa em Ipanema ou mesmo de uma cerveja gelada em qualquer um dos muitos barzinhos do Leblon ou do Leme. O Rio das Laranjeiras, da Tijuca, da Zona Norte e, até mesmo, o Rio da Barra. O Rio do Maracanã, da Lagoa Rodrigo de Freitas, dos ótimos centros culturais e museus no centro, do futebol com os amigos no aterro do Flamengo ou do vôlei de praia em Copacabana. São muitas cidades, muitas opções. Todas merecem uma visita e tem seu valor.

Da minha parte, já há alguns anos consegui superar o preconceito que tinha com a Cidade Maravilhosa e sua população. A cada visita, a cada permanência conhecia novas pessoas, fazia amigos, descobria recantos da cidade onde se leva uma vida pacata e amistosa.
Claro que o Rio continua sendo a cidade da malandragem e que, como toda cidade daquele tamanho, tem seus espertos querendo levar vantagem em tudo. Mas a cidade é muito mais que isto.

Por isto e porque essa é uma viagem familiar, a foto escolhida para representa-la tem a malandrinha carioca mais querida do mundo: minha sobrinha e afilhada Júlia. Hoje isso é o que melhor representa a malandragem do Rio para mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário