domingo, 30 de junho de 2013

Cinquenta Tons de Lima



Não, não é isso que vocês estão pensando.
Ainda não me dei a oportunidade de ler nenhum dos livros da série tons de cinza, especialmente depois das criticas da Maria Eduarda, minha filha, que recomendou não lê-los. Mas não podia perder a frase relacionando a capital peruana com a sensação que tive nas três ou quatro vezes que estive por lá: Lima é uma cidade cinza.

Provavelmente por conta da sua posição geográfica, é nas imediações de Lima que a Corrente Marinha de Humboldt emerge diminuindo a temperatura da água, tornando a costa peruana extremamente piscosa e aumentando a nebulosidade da área. Isso que faz com que o céu limenho e, consequentemente, as águas do mar em frente tenham sempre essa cor acinzentada.
Mas também a areia limenha é cinza, suas praias, ao pé das árvores, nos terrenos baldios, nas calçadas, são muitos os tons de cinza.
Talvez por conta dessa sucessão de cinzas, eu, que me fascino com a luz incidindo sobre paisagens multicoloridas senti uma tendência a me deprimir nas idas àquela cidade. Muitas vezes imaginei como uma caminhada no calçadão de Miraflores seria muito mais bonita à luz do sol no fim de tarde ou tomar um pisco sour enquanto o sol se põe nos mares peruanos?

Mas Lima tem seus brilhos e suas cores. Apesar do tempo sempre nublado e da chuva que nunca vem – é curioso como a nebulosidade permanente da cidade raramente se converte em chuva. Diz meu pai que quando ele morou no Peru, os barracos das periferias da cidade sequer tinham telhados, pois raramente chovia – a cidade tem monumentos históricos e arquitetônicos de brilho ímpar.
Lima foi a capital do Vice-Reinado do Peru, durante os séculos XVII e XVIII e por ela passavam as toneladas e toneladas de prata e ouro que fluíam da América do Sul espanhola para Madri e, assim, algo da riqueza e muito do fausto barroco espanhol encontrou representações na cidade.

A Plaza de Armas de Lima, com seus palácios e prédios históricos, como a Casa de Pizarro, ainda guarda muito deste período de riqueza, assim como as igrejas, capelas e mosteiros que existem na cidade. Também no Museu do Ouro pode-se ter uma ideia das riquezas desse período, seja pelas maravilhosas joias do período pre-colombiano, seja pela representação dos quartos cheios de ouro e de prata que Pizarro pediu aos Incas como resgate de seu líder Atahualpa.
Mas o livro que me acompanha na viagem para Lima não trata do período da colônia espanhola, mas do início do Século XIX quando toda a América do Sul se movimentava em busca de sua independência. Escrito por Miguel Bonasso, o livro La Vengazna de los Patriotas, tem como pano de fundo as guerras de independência promovidas por José de San Martin, especialmente a independência do Peru, tendo personagem principal Bernardo de Monteagudo, advogado, jornalista e ativista político, nascido em Tucuman, no nordeste da Argentina, que participou ativamente das companhas San Martín.

Apesar do caráter histórico do romance, o livro de Bonasso é uma novela policial tendo como motivação central as investigações sobre o assassinato da personagem principal nas sombras nas ruas limenhas, depois de ter alcançado todo o sucesso nas investidas revolucionárias na América do Sul.
Nesta investigação somos apresentados ao Coronel Ayala, personagem ficcional, que é o investigador e, ao mesmo tempo, o encarregado por cumprir as missões menos nobres de Monteagudo neste esforço de se consolidar no poder. Conhecemos também a importância de San Martin nos processos emancipatórios de Argentina, Chile e Peru. Uma importância equivalente à de Bolivar, só que sem a pretensão bolivariana de construir uma América espanhola unida.

Partindo de Santiago de Chile, onde haviam ajudado Bernardo O´Higgings na independência daquele país, Monteagudo e San Martin embarcam em uma esquadra com 24 navios para sitiar e tomar o principal bastião espanhol na América do Sul. Com ajuda do mercenário Lord Cochrane – o mesmo que vai ajudar Pedro I a consolidar a nossa independência – os revoltosos fecham a entrada do porto e tomam o Callao, porto-fortaleza que protegia a cidade de Lima.
De lá organizam o cerco à cidade, que resiste às investidas dos revolucionários, sendo destacado o papel de Monteagudo nas ações de propaganda política e no estímulo aos limenhos que também aspiravam a independência de Espanha. Depois dos sucessos militares e das bem urdidas tramas, San Martin entra na capital peruana como herói libertador e, o povo peruano, entrega a ele o governo da nação que se torna autônoma e outorga o título de El Protector Supremo.

Mas o general é um guerreiro, mais que um governante, e prossegue nas suas campanhas pela libertação sul-americana. Neste processo, o leitor vai testemunhar o encontro dos dois maiores generais da América espanhola em Guayaquil, no que viria a ser o Equador, depois que Bolivar já havia conquistado a emancipação do que hoje conhecemos como Venezuela e Colômbia e o San Martin com vitórias na Argentina, no Chile e Peru.
Em Lima, Monteagudo, que havia sido deixado por San Martin como seu preposto na estruturação da república peruana, começa a se envolver na rede de intrigas e interesses dos lideres do movimento peruano e do que restara da antiga corte do Vice-Rei de Espanha, pelo menos daquela parcela que havia aderido ao movimento revolucionário, já que os que se mantiveram fiéis à Coroa Espanhola haviam fugido para o Alto Peru.

Enquanto os generais, tendo à frente Bolívar, retornam para fazer frente ao que sobrara do exercito espanhol que se refugiara nas florestas e nas montanhas da Bolívia, a situação política de Monteagudo e San Martin piora dramaticamente em Lima, com uma série de denúncias de favorecimentos, corrupção e enriquecimento ilícito. Somando-se a isto a tendência a namorador de Bernardo de Monteagudo, está montado o cenário para a deposição e exilio do preposto de San Martin e, pouco depois, para o seu assassinato numa noite qualquer numa viela de Lima, nas imediações do Palácio do Governo.
A queda e exilio de Monteagudo é o ponto final no governo peruano do Protetor. Desencantado com os rumos das independências sul-americanas, San Martin parte para o exílio na Europa, indo terminar sua vida em seu refúgio pessoal em Bruxelas. Em Lima as investigações e perseguições decorrentes do assassinato de Monteagudo dão margem a ajustes de contas e outras mortes em meio à disputas de poder, envolvendo a igreja, funcionários do Estado e as famílias mais nobres de Lima.

O Callao ainda é o principal porto do Peru, como era há 200 anos atrás, e daí ainda se divisa o Castelo Real Felipe, que já o protegia desde os anos dourados do vice reinado. Também ali está uma base naval e o colégio militar para realçar sua importância para a segurança do país.

Ademais, agora a cidade é a porta de entrada para turistas e visitantes de todo o mundo, pois ali está o aeroporto internacional de Lima. Logo, todos que visitam a capital peruana hoje, se obrigam a percorrer a ligação entre Lima e Callao, que na época de San Martin se fazia a cavalo por fazendas e campos, onde Monteagudo se refugiava em conspirações e encontros amorosos e que hoje é uma larga avenida que mal comporta o intenso ir e vir de carros, ônibus e taxis verde-brancos.

A cidade também se expandiu para muito além dos limites da antiga capital e hoje é uma metrópole com cerca de 8 milhões de habitantes, com uma culinária cada vez mais refinada e reconhecida – especialmente os ceviches – e com uma noite muito agitada.

Mas quando amanhece, o mar continua a refletir o monótono tom de cinza dos céus de Lima, que hoje contrastam com a cidade cheia de luzes e movimento, mas que acobertaram a chegada da frota de San Martin e que permitiram que Monteagudo encontrasse o auge de sua carreira e a sua morte.

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