domingo, 14 de dezembro de 2014

Um Retrato e muitas Londres.


Na minha última visita a Londres me peguei pensando que se um dia fosse escrever para o Ler & Viver sobre a capital inglesa teria que fazê-lo em camadas porque a cidade é, de verdade, muitas cidades sobrepostas.

Existe a Londres da idade média, governada por Henrique VIII, suas muitas mulheres e depois por sua filha Elizabeth I. Esta é a Londres de Shakespeare, do Hyde Park aberto ao público, do grande incêndio de 1666, da Catedral de São Paulo e das surdas disputas de poder tanto na corte dos Tudors como dos Stuarts.

A Londres vitoriana, período em que a cidade era sede do mais poderoso império do mundo, o Império onde o sol nunca se põe. A Londres de Sherlock Holmes, do famoso Almirante Nelson e sua estátua na Trafalgar Square, das primeiras estradas de ferro, do surto de cólera que matou milhares e obrigou que fossem construídos o seu sistema de esgotamento sanitário. Apesar de tudo, era a a cidade global que hospedou do filósofo alemão Karl Marx a futura rainha Maria II, de Portugal.

Ou, a moderna Londres, que sobreviveu aos bombardeios alemães na Segunda Guerra, que há 60 anos é governada por outra Elizabeth, que viu nascer o movimento Punk e se transformou em um dos maiores centros culturais do planeta, com museus, teatros, livrarias e suas bandas de rock.

Tinha pensado que isto significaria a possibilidade de muitos livros e muitos textos até que dia desses, passando na livraria do Aeroporto Pinto Martins, em mais uma viagem para Brasília, me deparei com o livro O Retrato – Um romance de obsessão, escrito pelo americano Charlie Lovett, que me pareceu interessante.

Gostei da capa, simpatizei com o enredo e quando o vendedor disse que o livro estava por apenas R$ 36,00, não resisti e comprei-o, mesmo estando com outro na mochila.

O romance sobre obsessão de Lovett não é tanto sobre obsessão e mais sobre paixões. Essencialmente, trata das paixões do viúvo Peter Byerly por sua falecida esposa Amanda e por livros antigos e raros.

O livro começa em 1995 quando Byerly, depois de longos meses de luto e reclusão resolve retomar sua profissão de comerciante de livros raros e ao folhear um desses livros vê cair uma pequena aquarela pintada no século XIX com o retrato de uma mulher. A aquarela retratava sua Amanda ou de alguém muito parecido com ela, que teria vivido mais de 100 anos antes deles dois terem se encontrado.

Impressionado com a pintura e querendo entender como sua esposa poderia ter sido pintada anos antes,  Byerly começa uma investigação para descobrir quem seria A.I, o autor da aquarela. Neste processo acaba se deparando com um livro do final do século XVI que poderia ser a prova definitiva de que Shakespeare foi, de fato, o autor das famosas peças teatrais que converteram o bardo de Stratsford upon Avon no maior escritor da língua inglesa.

Para contar a história, cheia de mistérios e algum suspense, Lovett narra três histórias paralelas que, ao seu modo, retratam as diferentes Londres, coincidentemente nas épocas que eu havia pensado em contar a partir de diferentes livros. 

A primeira história se passa nos últimos anos do Século XX e narra a paixão de Byerly por sua esposa Amanda: como se conheceram, como se amaram e como a súbita morte da jovem esposa levou o principal personagem do romance ao estado de luto e sofrimento que o encontramos no começo da história.

A outra história é a do livro raro que se constituirá no objeto da disputa do desejo de Peter de entrar para a história da literatura como o homem que encontrou o “santo Graal” da literatura inglesa e de outros que esperam ganhar fortunas com a venda da rara publicação e que estariam dispostos a fazer qualquer coisa para tanto, até matar nosso personagem principal.

Essa história começa em pleno século XVI quando um antigo negociador de livros e documentos raros recebe no leito de morte de seu amigo Robert Greene a primeira edição de seu último livro e o oferece a Shakespeare que o utiliza como inspiração para sua peça Conto de Inverno. Daí em diante, acompanhamos a saga do tal livro, que vai passando de mão em mão, até desaparecer para ressurgir 150 anos depois para surpresa de nosso Peter Byerly.

A terceira história é a da aquarela da sósia da amada Amanda, pintada por autor desconhecido no Século XIX e que é também a história do romance proibido entre um nobre casado e uma jovem americana, que estava de passagem por Londres, durante aqueles anos em que a Rainha Vitória dominava o mundo conhecido, e encontra o que seria o amor de sua vida.

Como disse, o romance não é uma obsessão, mas é bom o suficiente para você não querer largar o livro e querer rapidamente chegar ao final. É um livro que nos leva a passear pela Londres do Século XVI, com os pés no Século XX e olhos nas belezas do período vitoriano.

É a sensação que se tem quando ao desembarcar do passeio na London Eye, a enorme e moderna roda gigante às margens do Tâmisa você se depara com o público entrando do novo Shakespeare Globe Theater, uma réplica do teatro onde foram apresentadas as peças Hamlet e Rei Lear e que foi permanentemente encerrado em 1642.

Ou a delicia que é caminhar pelo Kensington Gardens, o parque público que nasceu dos jardins do Palácio de Kensington que foi a morada da futura Rainha Vitória durante toda a sua infância e fazer uma parada para aproveitar o pequeno jardim em homenagem à falecida Princesa Di.

A Londres do hoje nos oferece a agitação moderna do Oxford Circus, uma das áreas mais movimentadas do West End londrino e um dos mais belos exemplos da arquitetura de Jonh Nash, um dos principais arquitetos ingleses do início do Século XIX, que entre outras obras está o igualmente famoso Palácio de Buckinham, para onde Vitória se mudou depois da morte dos tios e que se tornou rainha da Inglaterra.

O livro de Lovett nos leva a passear por muitas das atrações da cidade na perspectiva de um homem que amava a arte, a literatura e a cultura, em lugar dos grandes agitos que a capital inglesa tem para oferecer aos seus visitantes. Assim, seus conhecidos, amigos e suas visitas obrigatoriamente nos levam aos museus da cidade, às operas, livrarias e teatros. É outra forma de ver a cidade, não apenas em termos de seus períodos históricos, mas como uma cidade que acumula séculos de riquezas, erudição e cultura.

 Ao fim, esteja você admirando as luzes que enfeitam a fachada da famosa loja da Harrods numa caminhada depois de visitar o Museu Victoria and Albert, tirando fotos do Big Ben sentado na amurada da Ponte Westminster ou indo para uma caminhada no Hyde Park depois de comer fish’n’chips em um dos muitos pubs da cidade, Londres provoca paixões quase obsessivas, qualquer que seja a lente que se use para fotografá-la.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Istambul: passagem, ponte ou centro de mundos?


 

Antes de Istambul, Constantinopla faz parte do imaginário de qualquer um que goste, mesmo um pouquinho, de história. Quem não estudou que a queda de Constantinopla em 1453 esteve na origem das ousadas viagens dos navegantes ibéricos que, ao procurar o caminho alternativo para as índias, terminaram chegando às praias americanas e brasileiras?

Depois ficávamos sabendo que a cidade foi capital dos impérios Romano do Oriente e do Império Bizantino (chamava-se Bizâncio) e que anos depois da conquista pelos otomanos passou a se chamar Istambul, mas que nem por isso perdeu sua importância geopolítica pois era ali, no Bósforo que o Ocidente e o Oriente se aproximavam e, depois, com as construções de pontes, que Ásia e Europa se uniam ou se separavam.

Foi em Istambul, ponto de encontro de culturas milenares, que Joseph Kanon – autor americano que ficou mais conhecido quando seu livro O Bom Alemão virou filme – resolveu ambientar o seu Passagem de Istambul.

O romance, que se passa logo no final da Segunda Grande Guerra, conta a estória de um empresário americano do setor de tabaco que durante o conflito é cooptado pelos serviços de espionagem americanos para trabalhar transportando documentos confidenciais e fazendo pequenos serviços “off the record” para a embaixada norte-americana e, com o inicio das hostilidades entre a União Soviética e os EUA, continua ajudando seus compatriotas em outros pequenos serviços de natureza similar.

Leon é seu nome e sua mulher, Anna, é uma judia alemã que já no início da estória está internada em uma clínica catatônica, após o traumático afundamento de um dos navios em que ela ajudava a contrabandear para a Palestina um grupo de judeus que procuravam uma vida nova no nascente estado de Israel.

As visitas a Anna na clinica servem para nos apresentar ao passado da personagem principal e explicar suas relações com Mihai, um judeu do Mossad que vai ajudar Leon a sair das várias situações complicadas em que ele se mete quando tenta ajudar seu país a tirar das mãos dos soviéticos um importante militar romeno, que se torna objeto da cobiça dos vários serviços secretos que atuam na cidade turca.

As desventuras de Leon na tentativa de cumprir a missão que lhe foi confiada envolvem assassinatos misteriosos, disputas de competência entre a polícia política do governo turco e a polícia turca, encontros furtivos em festas suntuosas patrocinadas por personagens saídas dos períodos que antecederam a ascensão de Ataturk e permitem ao leitor um interessante passeio pela cidade de Istambul, tanto na sua parte antiga, como na então parte moderna no lado ocidental, com direito a rápidas incursões pelos antigos bairros do lado asiático da cidade.

É claro que a cidade de Istambul em meados dos anos quarenta não se compara com a megalópole em ela que se transformou nas últimas décadas, com mais de 14 milhões de habitantes, largas avenidas expressas, aeroportos, pontes e shopping centers. Mas a parte que o turista e o visitante mais frequentemente busca já estava ali desde então: a Hagia Sofia, a Mesquita Azul, a Mesquita Suleymaniye, a ponte Gálata e a Praça Taksin, que naquela época já era o Times Square da região, com neons e ruas movimentadas.

Como no período logo depois da guerra ter gasolina para os carros era um luxo para poucos, nossas personagens andam muito de bonde ou a pé, o que permite que o autor apresente-nos as ruas, bairros, parques, mercados e outros pontos de interesse da cidade. Apresenta também como esse ponto de encontro de muitos povos e muitas culturas permite a formação de uma população que nem é oriental, nem ocidental. Que é conservadora, mas que convive com a diversidade. Que sem perder as suas raízes e tradições, se esforça para acompanhar os ditames da modernidade ocidental.

A Istambul de hoje ainda tem muito disto. Convivem, lado a lado, a milenar história da cidade que foi o centro de mundos e impérios e a cidade que é, provavelmente, a mais cosmopolita daquela região. Duas cidades que ora parecem convergir ora confrontar: como nos restaurantes onde os garçons que nos servem os bons vinhos produzidos na região, não tomam bebida alcoólica por conta de sua religião; ou, onde o turismo é bem vindo e importante, mas as preferências dos turistas nem sempre são bem compreendidas.

Mas não cabe se intimidar. Mesmo sem falar turco e com poucos moradores da cidade que falam inglês ou outra língua mais frequente para os viajadores ocidentais, os de Istambul não medem esforços para tentar nos entender e se fazer entender. Em um dia de sol os prédios monumentais da cidade histórica, as já mencionadas mesquitas, os jardins e o palácio Topkapi e a impressioante Hagia Sofia (igreja, depois mesquita e agora museu) são de tirar o fôlego.
 
A moderna esplanada entre o museu e a Mesquita Azul é um lugar aprazível onde vale a pena sentar para apreciar a beleza do sol refletindo as suas cores e observar as milhares de pessoas que por ali passeiam, conversam e fotografam. 

A monumental cisterna da cidade, construída durante o período bizantino para garantir sua capacidade de resistir a longos cercos de inimigos, é outra atração imperdível. Deixe se impressionar pelas suas dimensões, pela sua umidade penetrante e pelo belo jogo de luzes que a iluminação das mais de trezentas colunas proporciona ao visitante. Prómimo à entrada, não deixe de notar um marco, do Império Romano, que indicava o “quilômetro zero” de todas as estradas de uma época em que a cidade era o centro do mundo.

Vá aos mercados. O Grande Bazar é uma parafernália de produtos das mais variadas qualidades e preços – um desespero para aqueles que não são muito fãs de shoppings e compras – e passeie pelo o mercado das especiarias, com uma oferta multicolorida de alimentos e odores. Vale a pena ir por curiosidade, mas vale a pena mesmo para quem sabe e gosta de negociar, pois Istambul é um ótimo lugar para compras, especialmente de roupas e tecidos.

Não deixe de tomar os deliciosos sucos de romã que são preparados no meio da rua, bem ali na sua frente. Se não quiser arriscar, a mistura do suco de romã com laranja é também muito gostosa e refrescante. Tem um carrinho vendendo-os dentro do Palácio Topkapi, bem do lado da entrada do harém.

Para fechar sua passagem por Istambul, atravesse o chifre de ouro de barco, para ter uma bela vista das ruinas das muralhas e torres que protegiam a cidade em eras passadas e vá visitar o Palácio Dolmabahçe.

Construído no século XIX pelo Sultão Abdulmacid I, o Dolmabahçe rivaliza com os monumentais palácios de franças e europas, com suas belas escadarias, janelas olhando para o estuário e mobiliário sofisticado. Ademais, o fato de oferecer aos visitantes acessos por terra e por água, prática adotada por quase todas as casas dos ricos e famosos de então, faz do palácio um dos mais belos que já visitei.

Assim como a cidade, o romance de Kanon prende o leitor desde o início e faz com que ele queira se envolver nas investigações e viver com as personagens. Sua estória traz os elementos da Istambul que gostamos visitar, embora o fato de usar nomes de ruas e bairros adotados em meados do século passado dificulte, no primeiro momento, que nos localizemos na cidade que durante anos foi centro do mundo para milhões e que ainda hoje serve de ponte para europeus, asiáticos e todos que queiram experimentar do seu caldeirão cultural.

Vale a passagem, vale a viagem!

domingo, 22 de junho de 2014

O Inferno de Lucca.



Eu tinha prometido a mim mesmo que não escreveria sobre o último livro do Dan Brown, Inferno. Me encontrei com ele nas livrarias de Londres, logo quando foi lançado, ao custo de £15, na promoção!
Por conta das reclamações da Emília, que também queria ler, acabei não comprando a versão em inglês e fui ler uma versão emprestada, em português mesmo.
O livro mais recente do autor tem como personagem central o mesmo professor Langdon, aquele que estuda símbolos e que é um ás em decifrar códigos misteriosos com base em associações capazes de fazer inveja ao famoso Sherlock Holmes.

Desta vez, nosso destemido professor acorda em um hospital em Florença na Itália e se vê envolvido em uma perseguição inexplicável e uma investigação que envolve um cientista maluco que desenvolveu uma arma biológica – um vírus ou algo parecido – com o intuito de construir um mundo melhor diminuindo o número de pessoas que existem sobre a face da terra.
O Inferno que dá título ao livro e que servirá de organizador de todo o mistério que Langdon se empenhará em decifrar, é o Inferno de Dante e a referencia simbólica que é ponto de partida para as investigações do nosso simbologista é um famoso quadro de Sandro Botticelli, que retrata o inferno dantesco, chamado Mapa do Inferno.

O livro segue a receita Brown de capítulos curtos, referências reais, viagens globe-trotters, surpresas e reviravoltas. Mas está longe, em termos de qualidade, do Código da Vinci ou mesmo do Anjos e Demónios, já referido neste blog.
A estória é fraca, demora a prender a atenção do leitor- diria que se o leitor não tiver uma dose de persistência, é grande a chance de não ir até o fim – e o enredo, propriamente dito, é sofrível. Em síntese, talvez não chegue a ser um inferno, mas o livro não saiu do purgatório!

Por conta desta crítica achei difícil relacioná-lo com qualquer das viagens que tinha feito, até porque enquanto o lia a única cidade em que a história ocorre – na verdade menciona – que seria comparável às sensações que ele me proporcionava seria Lucca, na Toscana.
Na estória de Brown, para despistar seus perseguidores, Langdon dá a entender que vai decolar do aeroporto de Lucca, mas acaba saindo de Veneza ganhando preciosos minutos na sua fuga até que seus perseguidores chegam à cidade e descobrem que foram enganados. Ou seja, no livro, ninguém vai lá, a não ser enganado.

Passamos por Lucca depois de termos visitado o maravilhoso complexo do batistério, igreja e campanário de Pisa, ali mesmo onde esta a mais famosa torre da Itália.
Pisa se mostrou uma cidade muito agradável e como o dia estava maravilhoso, com um céu sem nenhuma nuvem e uma luminosidade que conseguia extrair a máxima beleza de prédios e lugares, as ruas, as praças e as atrações turísticas estavam cheias de pessoas que traziam ainda mais beleza e animação para o local.

A pequena estrada pelas montanhas que liga as cidades de Pisa e Lucca é, ela mesma, um ótimo passeio, com curvas sinuosas e paisagens rurais de tirar o fôlego. Tudo isto somado às maravilhas descritas pelo guia de turismo sobre a pequena cidade para onde íamos, era certeza de um excelente passeio e ótima opção para aproveitar a maior parte do dia.
Chegando em Lucca, que decepção!

A cidade tem uma muralha antiquíssima que a circunda, onde os moradores fazem seu cooper matinal e meu pai conseguiu a proeza de subir de carro ao se perder na entrada da cidade. Também tem as tradicionais vielas de um centro medieval, tem igrejas, praças e referências a grandes artistas como acontece em quase todas as cidades da Itália. Mas é só isso!!!
Como o livro de Dan Brown, que possui os mesmos elementos dos sucessos anteriores e não consegue repetir tal façanha, a cidade tem tudo o que o receituário do que uma cidadezinha italiana precisa para ser atraente e interessante para o visitante, mas não tem charme.

As igrejas e praças estavam mal cuidadas, a impressionante San Michele in Foro estava passando por reformas e quase nada dela podia ser apreciado, os bares e restaurantes eram bem fraquinhos, enfim, faltava vida e animação às vielas e praças.
Num esforço de tentar encontrar alguma compensação para o fato de não termos aproveitado mais do maravilhoso clima que encontráramos em Pisa, procuramos um lugar interessante para almoçar no Anfiteatro Romano, onde deveríamos encontrar lojinhas, bares e restaurantes.

Novamente, decepção! O local estava vazio, com quase nenhum movimento e o serviço do restaurante que escolhemos, o único que tinha algum público, era sofrível.
Voltamos para Padova, nossa cidade base nesta temporada italiana com o sentimento – quase arrependimento – de que deveríamos ter apenas passado pela cidade e deixado Pisa para a segunda etapa do dia, quando certamente teríamos melhor proveito.

Mas, assim como não me arrependo de ter ido a Lucca, não me arrependo de ter lido o Inferno de Dan Brown, mas certamente só os recomendaria com reservas.

domingo, 25 de maio de 2014

Saulo, Saulo... Porque viajas?



Nunca me dei ao trabalho de especular de onde vem essa minha necessidade de viajar ou, parafraseando Renato Russo, sobre o porquê “dessa saudade que eu sinto, de tudo que eu ainda não vi”. Mas acredito que acabei de descobrir a resposta e, para variar, encontrei-a em um livro.

Descobri ao ler Paulo de Tarso, biografia de São Paulo escrita por Josef Holzner, um padre alemão falecido em 1947, em que o autor conta as inúmeras viagens do Santo de onde minha avó Dolores tirou o nome de meu pai – Paulo de Tarso – e de cuja tradição me tornei herdeiro, assim como o meu filho mais velho, também Paulo, só que Ernesto. Acho que é dele – do santo – que herdei essa minha vontade de conhecer lugares e pessoas.

O livro é um tijolaço de mais de 700 páginas que, diferentemente daquele em que o autor tenta contar a vida de Jesus a partir de elementos históricos, deixando para lá a questão da fé e da religião, o de Holzner parte de uma proposta completamente diferente. Sua principal referência é a Bíblia, especialmente os Atos dos Apóstolos e as várias epístolas escritas por São Paulo aos cristãos das muitas cidades onde ele ajudou a fundar igrejas.

Com base nesses documentos e em outras pesquisas, o autor vai contar a epopeia do homem que transformou o cristianismo de uma seita judaica em uma religião católica, a partir de uma abordagem histórico-psicológica, por assim dizer. Ou seja, em nenhum momento o autor questiona a inspiração divina do apostolado de Paulo, de seus companheiros ou quaisquer afirmações ou descrições contidas no Livro. Pelo contrário, toda vez que a narrativa bíblica ou a abordagem psicológica apresentam uma lacuna para a argumentação do autor, é na fé inquebrantável do santo, na intervenção divina ou nas inspirações do Espírito Santo que ele vai buscar a resposta para sustentar sua teoria.

Mas quem foi Saulo ou Paulo e porque tanto viajou?

Minha primeira descoberta foi com relação ao nome do santo. Sempre achei que ele se chamava Saulo (de origem grega) e quanto se converteu ao cristianismo, na estrada para Damasco, resolveu adotar o nome romanizado de Paulo. Mas, segundo o autor não era bem assim: vivendo em um mundo onde as culturas se mesclavam, o apóstolo adotava ambos os nomes uma vez que, sendo judeu, cidadão romano e filho da cultura helênica podia usar essa estratégia. Assim, dependendo da circunstância ou do local, podia ser Paulo ou Saulo.

E porque Saulo ou Paulo foi tão feroz perseguidor de cristo e dos cristãos?

A frase que sempre vem à mente quando penso no santo deve ter saído de algum filme que assisti em eras passadas: “Saulo, Saulo, porque me persegues?” Assim Jesus teria falado ao homem na entrada da cidade de Damasco, derrubando-o do cavalo e condenando-o a uma cegueira temporária, até que aceitasse Jesus como Senhor e Único Salvador.

O autor traz uma explicação psicológica para a questão. Na sua visão, Paulo – um judeu com erudição religiosa – sofria com a prisão da Lei e a sua incapacidade de nela se manter firme. Naquela época, o judaísmo vivia um período em que os rituais e as exigências decorrentes da obediência ao Templo e ao estrito cumprimento da Lei oprimiam de tal modo a vida das pessoas que elas passavam a maior parte do tempo se sentindo pecadoras, condenadas ao inferno. 

Com Paulo não seria diferente e ele teria sofrido com este aprisionamento e com o sentimento de impotência e incapacidade. Para diminuir seu sentimento de fracasso e sua sensação de culpa, o futuro santo dirigiu todo o seu rigor na repressão daqueles que contestavam a Lei, incluindo-se aí os seguidores do homem crucificado de Jerusalém.

O autor afirma que primeiro contato de Paulo com os ensinamentos (heréticos) de Jesus Cristo teria sido na sua primeira visita a Jerusalém quando assistiu a discussão entre Estevão e os membros do Templo, que acabou com a morte de Estevão apedrejado nas portas do lugar sagrado.

Tendo notícias que o cristianismo estaria se espalhando pelas várias comunidades judaicas no norte de Jerusalém, conhecendo a disposição de Paulo para viajar e sua forte adesão aos princípios da Lei, os membros do Sinédrio resolvem designá-lo para ir a essas comunidades e por fim à heresia. É numa dessas missões que acontece o encontro com Jesus às portas de Damasco e a sua conversão à fé cristã, que abrirá para ele um mundo de viagens e aventuras.

No primeiro momento, sem saber como proceder e, provavelmente, temendo regressar a Jerusalém como um converso ao cristianismo, Paulo resolve se refugiar na capital do reino dos Nabateus, Petra, um entreposto comercial encravado do meio de um desfiladeiro que, por conta do enorme fluxo de estrangeiros era muito tolerante, do ponto de vista religioso.

Depois de alguns anos de reflexão e perplexidade Paulo resolve que sua missão deve ser levar a “boa nova” do cristianismo para todos, não apenas para os judeus que moravam fora de Israel, mas para todos aqueles que estivessem dispostos a receber os ensinamentos de Cristo e aceitar a sua palavra.

Ao se apresentar aos “cardeais” do cristianismo em Jerusalém e convence-los de sua adesão ao Cristo, Paulo é designado para acompanhar Barnabé nas suas peregrinações pela Ásia Menor. Começa assim a primeira de suas quatro viagens nessa missão apostólica que o levará de Jerusalém a Roma, passando por Antióquia, Éfeso, Chipre, Tessalônica, Corinto, Cesareia e várias outras terras que acabaram se tornando conhecidas pelas muitas cartas que ele escreveu aos membros das igrejas que foi deixando em cada uma delas.

O texto de Holzner descreve cada uma dessas epopeias divinas, enfatizando a santidade de Paulo, sua obediência aos mandamentos de cristo e sua paixão pela missão que o Senhor lhe havia designado. Seu empenho em mostrar a unidade e coerência da missão de Paulo, faz com que mesmo as divergências e disputas com Tiago, Pedro e outros membros mais antigos da igreja que olhavam com desconfiança a adesão de não judeus ao cristianismo e exigiam o cumprimento da Lei, fossem tratadas como pequenas querelas sem maior importância.

O autor oferece ao leitor ótimas descrições das paisagens e das características dos povos das muitas regiões por onde Paulo viajou. Na maioria das vezes, ia a pé de uma cidade para outra, permanecendo em cada uma delas por temporada, pregando e trabalhando como tecelão – Paulo sempre tirou seu sustento da sua profissão – até que fosse denunciado, perseguido e expulso. Mais de uma vez sua missão de evangelizador colocou sua vida em risco e, não fosse a ajuda de amigos ou da providência, certamente não teria alcançado a idade madura quando foi finalmente condenado a morte em Roma.

Tantas foram as viagens de Paulo, tantas as cidades visitadas, que é difícil escolher uma delas para acompanha-lo.  Tempos depois da leitura do livro em questão estive em Petra, na Jordânia, e pude apreciar as magníficas construções encravadas nas pedras vermellhas daquela região desértica, que se outrora foi centro comercial de todo um reino, hoje vive da exploração de seu principal ativo turístico, redescoberto pelo mundo depois das aventuras de Indiana Jones.

Mas para homenagear sua terra natal, pode-se começar seguindo alguns de seus passos pela Ásia Menor. Nos mapas de hoje esta região está quase que totalmente compreendida pelo território da Turquia, então é para lá que vamos. Só que, ao contrário de Paulo, que partiu de Jerusalém para a região, fazendo uma rota da Ásia para a Europa, nossa viagem segue o caminho inverso.

O ponto de partida é Istambul, cruzando toda a península de Galipoli, para tomar o ferry-boat e atravessar o estreito de Dardanelos, entre as cidades de Eceabat e Çanakkale. É uma travessia de menos de 30 minutos, pois no Dardanelos a distância entre Ásia e Europa é de 1,2 quilômetros e, por isto mesmo, sempre foi um ponto estratégico nas guerras da região. Em 480 a. C., por exemplo, Xerxes fez o exército persa atravessar o Helesponto (como o estreito era chamado) fazendo uma ponte com seus barcos para invadir a Macedônia.

A poucos quilômetros de Çanakkale estão as ruínas da famosíssima Tróia, palco da guerra memorável que envolveu homens, heróis e deuses, sem falar no famoso estratagema do Cavalo, que os gregos adotaram para conseguir burlar a fortaleza troiana e invadir a cidade.
Se tais ruínas fossem nos Estados Unidos provavelmente teríamos uma “Disney helênica” explorando em todas as dimensões essa história mitológica, mas na Turquia o museu a céu aberto com as ruínas das muitas cidades sobrepostas é tímido, para dizer o mínimo. Para completar, no dia que visitamos as ruínas, chovia e a réplica do tal cavalo estava coberta por uma lona preta para restauro. Mas não dava para passar ali tão perto e não visita-la .

Concluída esta etapa da viagem – Paulo passou ali perto na sua segunda viagem, a caminho de Tessalonica – seguimos em direção a Selçuk, ali a decepção com Tróia foi superada pela precariedade do hotel que nos hospedamos, mas foi compensada, com sobras, pela maravilha que são as ruínas de Éfeso.

Mesmo antes de visitar a ruínas, duas atrações ligadas à história do cristianismo merecem ser visitadas. A primeira está na própria cidade de Selçuk, nas ruínas da antiga basílica cristã destruída durante o período das “reconquistas muçulmanas”: o túmulo de São João Evangelista. Segundo alguns pesquisadores ele teria sido enviado por Pedro para Éfeso para propagar a mensagem de Cristo consolidando a igreja que Paulo tinha iniciado. Outros estudiosos afirmam que além da missão evangelizadora, também coube a ele a tarefa de tirar Maria, a mãe de Jesus, de Jerusalém e protege-la até o fim de seus dias.

Por conta desta história vem a segunda atração, visita obrigatória para os cristãos: a casa em que, supostamente, Maria viveu seus últimos dias. O local é hoje uma área voltada para a peregrinação e contemplação religiosa e, diariamente, centenas de pessoas de todo o mundo vem visitar e orar pedindo a intermediação da santa. A capelinha construída sobre as fundações de onde teria sido a casa é simples, mas acolhedora, e o local convida mesmo à introspecção. Vale uma visita, com certeza.

Na volta desta visita, era hora de conhecer o espetáculo que é Éfeso. A cidade está praticamente toda lá, para ser apreciada, estudada e admirada. Os templos, a ágora, as casas onde pessoas moravam, os banhos e as latrinas públicas, suas ruas e avenidas, a impressionante biblioteca de Celso, o anfiteatro com capacidade para 25 mil pessoas, o porto e a avenida que dá acesso a ele, tudo, tudo permite ao visitante apreciar como seria a vida dos homens e mulheres daquela região no período que antecedeu o alvorecer do cristianismo.

Éfeso foi um dos principais centros do helenismo. Ali o famoso Pitágoras – aquele do teorema – fundou e manteve uma escola e Tales de Mileto, cidade próxima, também frequentou a cidade para se tornar conhecido como o pai da filosofia ocidental. No período romano a cidade se transformou no principal porto do Mar Egeu, fazendo florescer o comércio e intercâmbio na região, era rica, culta e próspera.

Depois da passagem de Paulo e João pela cidade, Éfeso se transformou numa das cidades do Império Romano onde o cristianismo mais se difundiu. Por conta de sua importância para a nascente religião, os dois primeiros Concílios da Igreja Católica (431 e 449 d.C.) foram ali realizados. No primeiro deles foi confirmado o dogma da maternidade da Virgem Maria e a dupla natureza de Jesus Cristo, como Deus e como homem.

De Selçuk seguimos rumo a Pamukkale – que em turco quer dizer castelo de algodão – uma linda montanha branca, com piscinas naturais de águas de um azul translúcido encravadas nas cascatas de formação calcária que resplandecem à luz do sol.

No caminho para Pamukkale, numa discreta saída à direita na rodovia, estão as ruínas de Afrodisias, outro dos interessantes museus abertos existentes na Turquia, este bem melhor organizado que o de Troia, diga-se de passagem. A cidade ocupava uma ampla área e muitos de seus equipamentos, como o templo de Afrodite, os banhos públicos, o anfiteatro e o estádio, evidenciam que os jogos e as festas que ali ocorriam eram capazes de atrair multidões de cidades e regiões próximas.

Não pude deixar de ficar imaginando – nesse período de grandes eventos no Brasil – como deveria ser desafiador preparar uma cidade pequena para receber 10 a 15 mil pessoas para um evento com todas as exigências de logística, serviços públicos, alimentação, segurança e etc, isto há mais de 2000 anos!

Chegando a Pamukkale e já alojados em um hotel decente, resolvemos subir a montanha a pé para descobrir que no topo estão as ruínas de Hierápolis, cidade da Frígia, fundada no Século II a.C, que tinha nas suas fontes de águas termais uma de suas principais atrações. Ali, na pérgola das milenares piscinas, onde gregos, romanos e bizantinos vinham para se tratar ou por lazer, aproveitamos para descansar da subida pelas encostas brancas da montanha tomando uma deliciosa taça vinho produzido ali na região de Denizli.

Além das enormes piscinas do balneário também vale visitar as ruínas do teatro romano que observa desde o alto, toda a cidade e o vale abaixo. Aqui também estão ruínas de ruas, moradias, templos e estruturas de defesa que dão ao visitante uma ideia de vida de então, bonita, mas nada que se comparasse com Éfeso.

Quando o sol começava a se por decidimos voltar, descendo a montanha e, mais uma vez, aproveitar a deliciosa sensação de molhar os pés em suas águas mornas. Se Pamukkale é bonita durante o dia, no fim da tarde então... A luz do entardecer na montanha de algodão produz um efeito multicolorido, capaz de tirar suspiros do menos sensível dos visitantes.

Dali do alto, contemplando a beleza da montanha multicolorida e seu contraste com o verde da planície aos nossos pés, é fácil entender porque alguns, como Paulo de Tarso, dedicam toda ela a viajar e propagar a palavra de Deus.

domingo, 11 de maio de 2014

Andaluzia Improvável




Em geral os livros e viagens que faço relação são frutos de agradáveis coincidências. De repente uma paisagem, um lugar ou uma situação me remetem a um livro ou, ao contrário, é a leitura que me faz lembrar uma cidade ou uma viagem. Assim nascem os textos.
Quando decidi conhecer a região da Andaluzia, na Espanha, minha “prima” Fátima me sugeriu ler A Mão de Fátima, de Idelfonso Falcones, certa que me daria uma visão geral da região e suas belezas e muito me ajudaria a melhor apreciar a viagem.
Realmente, a novela – que se passa na última metade do século XVI – é repleta de informações históricas e turísticas sobre a região. Mais importante: ela é de grande ajuda para compreender as particularidades de uma região que por mais de 800 anos esteve sobre o domínio dos mulçumanos e que, a partir século XIV, começou a ser reconquistada pelos cristãos.
A estória de A Mão de Fátima se passa nos últimos momentos desse período de conquista e tem como personagem central um jovem mulçumano de olhos azuis, filho de uma muçulmana que foi violentada por um padre católico, daí a cor dos olhos. Hernando, esse é seu nome, é educado na fé cristã pelos padres da cidade, educado no islamismo pelo seu mentor, Amid, e discriminado pela população da vila de Juviles, que o trata por Nazareno.
A mãe, depois que se descobriu grávida, foi obrigada a casar com um homem rude que, a troco de uma mula, aceitou conviver com aquela situação. Além de um casamento complicado, Aisha, a mãe, tinha que suportar as agressões e humilhações que o marido, chamado Brahim, submetia a ela e seu filho "impuro".
A vida de Hernando, seus familiares e dos moradores de Juviles e das Alpujarras é transformada quando os mulçumanos, não suportando a opressão cristã, se revoltam contra o Rei Felipe II e elegem Aben Humeya, nobre mourisco cujo nome espanhol era Hernando de Córdoba e Válor, Rei de Granada e Córdoba.
Durante o período que vai da coroação de Aben Humeya até o seu assassinato por seus subordinados, a maior parte das personagens importantes da novela vai aparecendo, incluindo-se aí Fátima, cuja mão será pivô da ferrenha disputa entre Hernando e seu padrasto.
Se o livro permite ao leitor uma visão muito interessante da Andaluzia, especialmente das regiões montanhosas do entorno de Granada e Córdoba, a história propriamente dita abusa da boa vontade do leitor. Me senti assistindo uma novela da Globo.
Explico melhor.
Qual a probabilidade de uma pessoa que nasce pobre em um lugar afastado, por pura sorte, ficar rica? Alguma. Qual a probabilidade desta mesma pessoa ficar pobre novamente e depois, também por puro acaso, ficar rica novamente e mudar completamente a sua condição? Agora, qual a probabilidade de isso acontecer com duas pessoas próximas ao longo de alguns poucos anos?
O problema da novela de Falcones é que para manter viva a disputa de Hernando e Brahin pelo amor de Fátima ele recorre a uma sucessão de altos e baixos, baseada em acasos e coincidências que faz com que a sorte mude de um lado para o outro. Assim, o improvável se torna lugar comum, ao mesmo tempo, a surpresa se torna previsível. Mais ou menos como as novelas da Globo: previsíveis e inverossímeis.
Mas reconheço que tem muita gente que gosta das novelas globais! Também a novela de Falcones agrada a muitos.
Como muitas das cenas da novela se passam nas regiões montanhosas da Andaluzia e como a sucessão de subidas e descidas da improvável trajetória de vida de Hernando, Fátima e Brahim me remete aos picos e vales das suas montanhas, em lugar de uma viagem a Granada, Córdoba ou Sevilha, que seria provável, preferi contar nossa aventura por essas áreas menos exploradas pelos turistas.
Assim, deixemos de lado a bela arquitetura em estilo mudéjar que ornamenta os muitos alcazares da região, a impressionante mesquita-catedral de Córdoba ou os produtos do secular embate entre cristãos e mouros e partamos para as terras montanhosas do Al-Andaluz.
Seguindo os passos de Hernando, Fátima e Brahim comecemos pelas Alpujarras, a região montanhosa que fica ao sul de Granada e tem como ponto alto – em sentido real e metafórico – a belíssima Serra Nevada.
É no ambiente rústico e, em certa medida inóspito das Alpujarras, que a opressão cristã e as dificuldades de sobrevivência dos muçulmanos encontram condições para a rebelião de Hernando de Córdoba y Válor.
Válor e Juviles, terras de nascimento dos dois Hernandos, estão situadas na região, assim como Berja e outras muitas localidades por onde as personagens transitam durante toda a primeira metade da novela.
Quando se chega a Granada já se vê, ao longe, a beleza imponente da Serra Nevada, mas é no caminho para o litoral, para Almeria, que se tem a oportunidade de ver mais de perto as Alpujarras.
As ótimas rodovias que hoje servem a região tiram do viajante a oportunidade de passar dentro das pequenas cidades que foram palco de sangrentos embates no longínquo século XVI, mas não conseguem apagar as belas e impressionantes paisagens da região.
Quando voltávamos de Almeria para Granada ainda tentamos arriscar passar pelo Puerto de La Ragua, uma passagem natural a mais de 2000 metros de altitude que desde os tempos mais remotos ligava essas duas províncias espanholas e que na novela é palco de importante acontecimento.
Entretanto, o clima não estava muito convidativo e temendo enfrentar estradas com neve sem pneus apropriados, acabamos desistindo.
Enquanto as Alpujarras passam ao viajante uma ideia de terra pouco explorada, a região de montanhas que separa Granada de Córdoba – por onde, segundo a novela, milhares de muçulmanos aprisionados quando sufocaram a rebelião foram obrigados a marchar e onde Fátima vê seu primeiro filho morrer em seus braços – é o exato oposto.
Não tendo picos ou vales tão acentuados como nas Alpujarras, as sierras Subbéticas, ao sul de Córdoba, estão totalmente ocupadas por atividades produtivas, especialmente pelos olivais. São hectares e hectares de oliveiras, eventualmente intercalados por pastos ou outras culturas.
Ao retornarmos de Córdoba para Granada optamos por um caminho alternativo que nos levou a esta região serrana, passando pela um tanto acanhada cidade de Priego de Córdoba. Aqui, a vegetação é de um verde mais intenso e profundo. Se fosse para comparar com nossa geografia: enquanto as Alpujarras me lembram das serras aqui do Ceará; as Subbéticas me lembraram da região serrana do Rio de Janeiro. Diferentes, mas igualmente belas.
Depois de muitas idas e vindas entre Granada e Córdoba, não as nossas, mas as das personagens da novela, Hernando e sua família são levados para Sevilha, agora como parte do expurgo dos mouros decidido pelo rei de Espanha ao descobrir que eles haviam conspirado com a Rainha Elizabeth I da Inglaterra contra o trono espanhol. Assim, nós também seguimos para Sevilha.
Ao sul de Sevilha está a Sierra de Grazalema e a região dos “pueblos blancos” ou povoados brancos, que são assim denominados pela impressão que causa ao viajante as várias cidadezinhas com suas casinhas brancas encarapitadas nos altos, quase sempre em volta de um castelo ou algum outro tipo de fortificação que em épocas passadas lhes garantiam proteção.
Ronda Vieja, a “capital” dos pueblos blancos é uma cidade não muito grande, situada no topo de um afloramento rochoso, com estreitas ruas de calçamento e uma grande tradição das touradas. A Plaza de Toros foi inaugurada ainda no século XVIII e é a cidade de nascimento de Pedro Romero, conhecido como pai das touradas modernas.
Por estar numa posição elevada, a cidade oferece um sem número de vistas de tirar o fôlego, seja da impressionante ponte que liga a parte antiga da cidade à parte mais nova, seja dos muitos miradores existentes, como os da Plaza del Campillo. Mas, o que realmente me chamou a atenção foi a arquitetura da igreja de Santa Maria La Mayor. Além de ter sido construída sobre uma antiga mesquita, entre outras coisas convertendo o minarete em torre do campanário, o balcão construído na lateral da igreja que dá para a pequena praça do Ayuntamento faz com que o igreja pareça a fachada de um palacete.
Diz a lenda que em tempos pretéritos, os nobres, clérigos e convidados ilustres que vinham para a cidade acompanhar os festejos religiosos e as corridas de touros ficavam acomodados, de camarote, nos balcões da igreja. Tanto assim que, quando a Plaza de Toros foi inaugurada em 1785, o bispado de Ronda teve direito a um “camarote” nas suas arquibancadas.
De Ronda até Marbella ou qualquer outra cidade da belíssima Costa del Sol toma-se uma estrada serrana cheia de curvas e paisagens exuberantes. Nem tão áridas quanto as Alpujarras nem tão frondosas quanto a vegetação das Subbeticas, a cada curva a paisagem da Sierra de Grazalema prepara o espírito para o maravilhoso contraste das suas formações rochosas com o azul-dourado do Mar Mediterrâneo e anuncia o fim da nossa viagem.
Depois de tantas curvas, tanto sobe-e-desce, tantas agradáveis surpresas improváveis desta Andaluzia montanhosa, nada como sentar-se em um bom restaurante em Puerto Banús e tomar um delicioso Tempranillo admirando a beleza do mar e a opulenta vida dos ricos e famosos da Europa.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Jesus de Nazaré, da Galileia, Belém e Jerusalém...



Quando viajo, não tenho o costume de ficar prestando atenção nas conversas dos meus vizinhos de poltrona. Entretanto, numa de minhas últimas viagens entre Fortaleza e Brasília não tive como não captar fragmentos da conversa que minhas 3 vizinhas de poltrona levavam. Primeiro porque elas conseguiram conversar ininterruptamente durante as duas horas e meia da viagem e depois, porque não falavam baixo.
 
A temática era sempre em torno de religião, igreja, suas ações missionárias e viagens e não pude deixar de ouvir quando uma delas, narrando empolgadamente uma viagem que fizera a Jerusalém se exaltou na descrição de sua experiência quase gritando: EU VI!!! EU VI!!! EU ACREDITO!!! Descrevia a visita ao Getsêmani e, provavelmente, outros locais santos da cidade.

Claro que não pude deixar de pensar na viagem que eu mesmo fiz à Terra Santa e como minha mãe, por exemplo, ficou um tanto decepcionada com o tratamento dado aos lugares santos para o Cristianismo. Também não pude deixar de comparar a certeza da fé da minha companheira de viagem com os muitos questionamentos sobre o “Jesus Histórico” levantados por Reza Aslan no livro Zelota, a vida e a época de Jesus de Nazaré.

Todo livro que trata de discutir a vida de Jesus de Nazaré pautado no “rigor da ciência” ou que se propõe a empreender a tal busca pelo “Jesus histórico”, será, na melhor das hipóteses, controverso. E o livro de Aslan não é diferente. Não a toa que minha sogra Zaína até começou a lê-lo, mas pouco antes de terminar o primeiro capitulo devolveu o exemplar reclamando que estava muito confusa e não queria mais. Minha mãe, outra católica convicta, sequer se dispôs a lê-lo. E não tiro razão das duas. O livro não é viagem para qualquer um.

Aslan se esforça por construir dos poucos fragmentos que dispomos deste período da história dos homens na terra a  imagem do Jesus histórico, o homem e suas condições de vida. E, desde logo alerta que não pretende discutir o outro Jesus, o Cristo, o Salvador. Mas não são todos que, sem grandes inquietações, conseguem separar um do outro, o Nazareno do Cristo.

Desde o início Aslan coloca sob o julgamento judicioso da história uma série de fatos que, por tradição bíblica, todos que fomos educados com auxílio do Novo Testamento, seja em casa, na igreja ou na escola, tínhamos como certo. É um texto instigante e muito interessante, ainda que muito fundamentado em especulações e analogias.

Para ficar em apenas um exemplo dos muitos que o autor apresenta, Aslan contesta a versão bíblica de que Jesus teria nascido em Belém. Para ele, o nazareno – que é assim chamado ao longo do texto sagrado – nasceu mesmo em Nazaré, onde viviam seus pais Maria e José e que não haveria razão para terem ido a Belém, uma vez que: (1) o único Censo que se tem noticia de ter sido realizado no período da ocupação romana em Israel aconteceu vários anos depois do nascimento de Jesus e (2) como o Censo era para arrecadar impostos, não fazia sentido cadastrar as famílias (ou seja, os contribuintes) com base no lugar de onde elas procediam, mas sim, onde elas produziam suas riquezas.

Especula então o autor, que o nascimento do menino Jesus em Belém responde à necessidade de convalidar profecias do Antigo Testamento que afirmavam que o esperado Messias do povo de Israel viria da casa de Davi e nasceria em Belém. Assim, para ele, nem Jesus nasceu em Belém, nem José e Maria fizeram tão sacrificada jornada, tendo permanecido na Galileia por quase toda sua vida.

O ponto central do argumento do livro de Aslan é que Jesus, o Nazareno, alcançou o destaque que alcançou porque conseguiu juntar na sua peregrinação pelas terras de Israel e Síria, a palavra revolucionária que teria aprendido de João Batista no período em que o acompanhou, com a ação prática de atender aos pobres, dando-lhes atenção e curando de seus males.

Para chegar a este ponto Aslan nos apresenta , com cores bastante realistas, a situação que vivia o povo de Israel naqueles anos: submetidos à opressão política do governo de Roma; explorados economicamente pelos Sacerdotes do Templo, em uma aliança com os romanos considerada espúria pelos próprios judeus; e, enfrentando períodos de seca em que a fome grassava.

É neste ambiente que surgem os muitos messias que viriam para libertar o povo de Israel do jugo romano e resgatar trono de Davi. É também o caldo de cultura necessário para começar um movimento político que só se consolidaria depois da morte de Jesus: o dos zelotas ou zelotes. A origem do nome derivaria do zelo com que essas pessoas tratavam as coisas sagradas para o povo de Israel, especialmente o Tempo e a Lei.

Para Aslan, Jesus, tendo visto a exploração e o sofrimento do seu povo no período em que vivia na Galileia, tendo ouvido a mensagem de João Batista e a ela aderido, resolve depois da sua morte nas mãos de Herodes Antipas – não preciso dizer que Aslan contesta a veracidade da história que Salomé teria seduzido o rei para que este entregasse a ela a cabeça de João Batista em uma bandeja – começar, ele mesmo, uma ação missionária e evangelizadora junto ao seu povo.

O autor nos conta que naquele tempo eram comuns os profissionais que, a preços nem sempre módicos, vagavam de vila em vila oferecendo cura aos males físicos e espirituais das populações. Naquela época, quase toda doença tinha uma explicação mística, assim, aliviar os sintomas de doenças e expulsar demônios dos coitados eram fases de um mesmo processo de cura. E Jesus seria um desses profissionais. Com uma singela diferença: ele fazia de graça, bastava que as pessoas ouvissem sua mensagem.

Logo, logo multidões saiam em busca do homem que tratava dos pobres e falava dos problemas que elas enfrentavam em uma linguagem que lhes era próxima e compreensível. Aslan especula que João Batista teria formação erudita, diferente de Jesus que provavelmente era analfabeto. Assim, enquanto João e os sacerdotes e escribas falavam em hebraico, a língua dos eruditos, Jesus falava o aramaico que era a língua do povo e tinha passado por tudo o que aquelas pessoas passavam, ele também, filho da pobreza da Galileia.

Jesus, ainda segundo o autor, teria clara noção dos riscos que corria. Antes dele e de João Batista, muitos tinham ido ao povo com a mensagem da chegada do messias e do reino de Israel – que para Aslan não era um reino dos céus, mas um reino terreno – e foram considerados traidores revolucionários e levados à morte. Em geral, a morte que Roma destinava aos que participavam de qualquer tipo de sedição contra o império era a crucificação.

Por isso, a maior parte do tempo em que passou pregando, Jesus teria evitado os grandes centros urbanos da Galileia até que sua fama superou os limites da província e ele julgou ser a hora de enfrentar aqueles que ele considerava os grandes traidores do povo de Israel, os sacerdotes e outros guardiões do Templo. E aí sua decisão de ir a Jerusalém.

Também as muitas passagens dos Evangelhos sobre a estada de Jesus em Jerusalém, segundo Aslan, é marcada por contradições históricas. Delas destaco uma que achei curiosa.
Para o autor Pôncio Pilatos jamais teria lavado as mãos, como nos conta o texto sagrado. Em um período de grande turbulência na região, Pilatos conseguiu ficar por mais de 10 anos como o preposto de Roma em Jerusalém graças a uma aliança com Caifás, o Sumo Sacerdote, à frente de um governo tirânico e assassino, a tal ponto que a população de Jerusalém mandou carta ao Imperador protestando contra a crueza de seu governo e pedindo seu afastamento.

Para o autor Pilatos sequer se daria ou trabalho de ouvir um judeu – povo que ele desprezava – que estivesse participando de um movimento revolucionário contra Roma. Por muito menos que isto ele havia mandado massacrar centenas de pessoas na entrada do Templo. Para ele nem esse diálogo, nem a tal cena do “ecce homo”, nem a escolha de Barrabás (bar Abbas) teriam ocorrido. Esta passagem, especula, teria sido incorporada ao Novo Testamento depois que o cristianismo virou religião oficial do Império Romano. Como poderia ser esta, a mesma Roma a responsável por mandar matar o Cristo? Mas fácil botar a culpa nos judeus do Sinédrio!

O que o autor não consegue explicar é porque menos de 30 anos depois da crucificação de Jesus, como mais um revolucionário sedicioso, já se espalhava por toda Israel e logo pela Ásia Menor (graças à dinâmica atuação de Paulo) a crença na ressurreição do Cristo e a força da sua mensagem. Porque, de todos os zelotas do período, é sobre este único que 2000 anos depois ainda se fazem cultos, curas, guerras, livros, palestras e seminários? Ele até tenta responder à questão, mas o esforço é insuficiente.

Para meus companheiros de viagem, especialmente para minha mãe, insuficiente é a forma como Cristo e o cristianismo são tratados em Israel. Tentei mostrar a ela que em uma região onde predomina a disputa entre judeus e muçulmanos, as atenções para as questões do cristianismo e para as muitas igrejas de filiação cristã que ocupam o território de Jerusalém não poderiam ser lá muito grandes, mas ela não se satisfez, achou pouco.

A Galileia é, para os cristãos, a região onde mais se encontram referências à passagem de Jesus por Israel. A par da discussão sobre o local do seu nascimento, foi em Nazaré que ele teria crescido e alcançado a vida adulta. Foi lá que Maria o concebeu e, consequentemente, é ali que está a Basílica da Anunciação, construída sobre o local onde, de acordo com a tradição, o anjo Gabriel anunciou à Virgem a vinda do Messias. É uma igreja grande e moderna, que se sobrepõe a várias outras construídas em diferentes períodos da história do cristianismo em Israel.

Além do interesse religioso, chama a atenção, o fato de que morar em grutas ou cavernas era lugar comum na região naqueles tempos. De acordo com as pesquisas arqueológicas eram poucas as casas construídas como tal, em geral as famílias usavam as formações rochosas que existiam por ali como extensão de suas casas para armazenar produtos, guardar animais e, em muitos casos, como a própria casa. Assim, o nascimento de Jesus numa gruta não seria impossível, talvez até provável, fosse em Nazaré ou fosse em Belém.

Ao lado da Basílica está outra igreja – devotada a São José – construída sobre as ruínas de onde se acredita teria sido a oficina de trabalho do Pai de Jesus. Neste ponto, por exemplo, Aslan concorda com o Novo Testamento ao afirmar que se José era um tekton (artesão, carpinteiro, pedreiro, marceneiro e etc) e morador de Nazaré, provavelmente teria trabalhado boa parte da sua vida – quem sabe com a ajuda dos seus filhos – na vizinha cidade de Sepphoris, cidade que Herodes Antipas reconstruiu para transforma-la em sua primeira capital na Galileia.

Hoje as ruínas de Sepphoris formam um museu a céu aberto localizado a poucos quilômetros de Nazaré. Muitos dos peregrinos cristãos que seguem para Israel para um encontro com o Jesus Cristo – não o de Aslan, mas O Jesus que eles acreditam – provavelmente passam sem notar a cidade quando seguem para o Mar da Galileia partindo do aeroporto de Tel-Aviv.

Além de Sepphoris, bem perto de Nazaré está Canaã, a das bodas, onde Jesus teria realizado seu primeiro milagre ao transformar água em vinho, por pedido de sua Mãe. Para os que têm interesse em conhecer a pequena igreja construída no local onde o milagre teria acontecido é bom prestar atenção ao caminho: é muito fácil passar direto e nem perceber onde é o local, pois é muito mal sinalizado. Também é uma visita por desencargo de consciência, não achei uma parada imperdível.

Destino obrigatório para os que visitam Israel do Novo Testamento é o Mar da Galileia. O grande lago de água doce em torno do qual Jesus – o Nazareno e o Cristo – fez a maior parte de sua ação religiosa (ou política, segundo Aslan). Ali, ao redor daquele belo lago, Jesus encontrou seus apóstolos, os pescadores de peixes que ele prometeu tornar pescadores de homens e almas e foi em Cafarnaum, pequena vila de pescadores às margens do Mar da Galileia que fez a base para sua ação missionária.

Uma volta no Mar da Galileia pode começar por Tiberíades, que também foi construída por Herodes Antipas para abrigar sua segunda capital, quando se mudou de Sepphoris. É a maior cidade da área, com a melhor oferta de hotéis e resorts, que por ficar às margens do lago é hoje um balneário para os israelenses. Além dos hotéis a cidade também oferece algumas opções de bons restaurantes, píer e marinas para atividades náuticas e um calçadão às margens do lago. Apesar de tudo, confesso que a cidade não me impressionou muito.

Saindo de Tiberíades, para sua esquerda, contornando o Mar da Galileia o viajante passa por Tagbah, onde teria acontecido o milagre da multiplicação dos pães citado no Novo Testamento, também nas imediações, no topo de um morro, está a Igreja das Beatitudes, construída no local onde Jesus teria proferido o sermão das bem aventuranças. Logo adiante está Cafarnaum.

As ruínas de Cafarnaum são pequenas, mas merecem ser visitadas. Além de permitirem uma ideia de como seria a vida em uma vila de pescadores nos tempos de Jesus, a visita é rápida e bem organizada, com destaque para as ruínas de uma bela sinagoga de arquitetura helenística e a igreja – não tão bela, já que mais parece um disco voador – construída sobre as ruínas do que se acredita ter sido a casa de Simão, o Pedro. O passeio prossegue no sentido sul até chegar ao local no Rio Jordão onde João teria batizado Jesus.

Depois de contornar o Mar da Galileia o viajante pode seguir em direção ao sul do País, acompanhando o curso do Rio Jordão, tendo do outro lado da margem a Cisjordânia e a Jordânia. Ao longo de todo o trajeto irá se surpreendendo com a impressionante capacidade do povo de Israel de produzir frutas e verduras no meio de uma paisagem desértica. São muitas as ilhas de produção que verdejam sobre o branco amarelado do deserto da fronteira oeste do país.

Mais ou menos duas horas de viagem depois se chega às proximidades do Mar Morto e ao entroncamento que seguirá para Jerusalém. Ali, logo a esquerda, está a cidade de Jericó, considerada a mais antiga do mundo ainda habitada, com registro de ocupação humana há mais de 10.000 anos e mais baixa cidade do mundo, pois está a mais de 200 metros abaixo do nível do mar.

Tirando a curiosidade quanto a sua antiguidade, não há muito que ver por lá. Tem um teleférico que leva a um conjunto de igreja e mosteiro incrustado na encosta da Serra de Judá e algumas ruínas de um palácio que, provavelmente, pertenceu a Herodes.

Além disso, só a descoberta que, atualmente, no território da antiga Israel convivem dois países: o Estado de Israel e a Autoridade Palestina. E que, por mais estranho que possa parecer, o carro que alugamos em Tel Aviv não poderia entrar neste outro país! Nem em Belém, nem em qualquer outra cidade administrada pela Autoridade Palestina.

Vinte e poucos quilômetros adiante, depois de voltarmos a estar acima do nível do mar, chegamos a Jerusalém, uma metrópole com avenidas largas, ótimos serviços de transporte urbano, hotéis e shoppings de todos os preços e qualidades, isto sem falar, é claro, na cidade murada, a Jerusalém antiga, nosso principal objeto de interesse. Mas antes, um passeio nos seus arredores: Belém, o Monte das Oliveiras, entre outros.

Nos vários pontos de referência do cristianismo em Jerusalém e suas imediações a mesma sensação: gente demais. As igrejas, seja a da Natividade em Belém, seja a do Santo Sepulcro em Jerusalém – depois de fazer toda a Via Dolorosa – vem a sensação de que há gente demais para o pouco espaço. Isso, pelo menos para mim, comprometeu toda e qualquer possibilidade de alguma experiência transcendental, diferente da minha companheira de vôo que viu e acreditou!

Ademais, nisso dou o braço a torcer às queixas da minha mãe, a falta de um guia com experiência nas ruas da cidade e com conhecimento do Novo Testamento compromete o que se pode aproveitar da visita, uma vez que há pouca informação sobre a relação entre os locais e as passagens bíblicas. É fácil para o turista perder ou não compreender a importância de determinado local ou sua relação com determinada passagem da Bíblia,

Não bastasse isso, depois de 2000 anos de cristianismo, os locais considerados sagrados já foram objeto de inúmeras intervenções. Cada monumento, basílica ou igreja estão construídos sobre, pelo menos, outras duas de períodos anteriores: quase sempre, uma do período bizantino e outra do período das Cruzadas. Isso sem falar das disputas entre as denominações religiosas que fazem com que, em algumas situações, elas divirjam entre si, sobre o lugar onde “realmente aconteceu” tal evento. Com facilidade o visitante fica confuso.

Para os que não foram apenas em busca da Terra Santa Cristã outras atrações estão disponíveis tanto na velha como na nova Jerusalém. Há o famoso Muro das Lamentações, única parte do antigo Templo que sobreviveu a fúria romana quando da repressão à revolta judia no ano 60 d.C., há a mesquita de Omar ou o Domo da Rocha de enorme importância para os muçulmanos, há as muralhas e a interessante história da milenar Jerusalém, construída e destruída um sem número de vezes, isto sem falar nas atrações dos mercados de rua e da agitação de uma cidade que vive entre o presente e o passado.

As noites de quinta feira, que antecedem o shabat, são especialmente animadas e a Porta de Jaffa, principal entrada para a cidade murada de Jerusalém, fica movimentada com eventos e apresentações culturais que animam os visitantes e moradores até altas horas da noite. Mas no dia seguinte, especialmente a partir do horário do almoço, nada funciona, nem mesmo os serviços de transporte público. Assim, é importante atentar para os dias em que se pretende visitar as atrações da cidade.

Por fim, tanto para os que pretendem se aventurar na leitura de Aslan ou numa viagem a Israel, uma consideração: talvez nem seu conhecimento sobre a Bíblia, nem a força da sua fé sejam suficientes para aproveitar ao máximo o que ambos podem lhe proporcionar. Como disse no início, não é uma viagem para qualquer um!