sexta-feira, 10 de maio de 2013

Ao Sul, Luanda.



A África ao sul do Saara não é destino frequente para brasileiros. Verdade que depois da Copa da África do Sul algumas pessoas se interessaram em se aventurar por aquelas bandas, mas os países da África onde se fala o português continuaram fora da lista dos mais visitados. Em regra quem vai a Angola, Moçambique, Cabo Verde ou Guiné Bissau vai a trabalho.
Estou no meio do caminho. Fui a Maputo a passeio e, depois, fui a Luanda a trabalho, a convite do UNICEF, fazer uma palestra sobre direitos da criança e do adolescente no Parlamento Angolano.

Na minha breve estada por lá, quatro ou cinco dias, pude ter uma noção da beleza de São Paulo de Luanda, da ilha Luanda e da baia de Mussolu, de onde partiam navios e mais navios traficando a mão de obra que durante quase trezentos anos serviram de base para a economia e o desenvolvimento do Brasil e do Império Português.

Digo uma noção porque a cidade a que fui apresentado era um verdadeiro canteiro de obras. Não se conseguia olhar para o lado sem se deparar com um tapume, uma grua, caminhões e montes de entulho a sujar e enfeiar uma cidade que tem tudo para ser muito agradável ao olhar.
Claro que dava para perceber a disposição tão comum nas cidades portuárias colonizadas pelos lusitanos, organizada em alta e baixa (Lisboa, Salvador da Bahia e Maputo também têm as suas). Enquanto na primeira estavam os casarios, as principais igrejas e a vida social, na cidade baixa ficavam o porto, armazéns, estaleiros e o grosso das atividades econômicas.

Mas não consegui ver a bela paisagem que os sites e revistas que promovem a cidade nos apresentam – a foto que abre este post tirei do site www.angolabelazebelo.com – por conta da poeira e do barulho incessante dos milhares de angolanos e chineses trabalhando de sol a sol na construção de mais um prédio, mais uma rodovia ou do aeroporto. Luanda estava fechada para reformas.
Quase tão desconhecida quanto a capital angolana, pelo menos para a maioria dos brasileiros, é a qualidade da literatura portuguesa que se produz em África. Tirando o conhecido Mia Couto, frequentador da FLIP e outras feiras literárias no Brasil, pouco sabemos do que se tem escrito naquele continente. E foi ansiando conhecer melhor esta produção que comprei o livro “Ao Sul, o Sombreiro”, do angolano Pepetela.

O livro é um romance histórico que retrata os anos iniciais da colonização portuguesa no continente africano enquanto narra as idas e vindas do Capitão Mor, Governador Interino de Luanda e conquistador de Benguela, Manuel Cerveira Pereira e sua busca pelo ouro e pela prata que o redimiriam perante a Corte e o tornariam insuportavelmente rico.
O autor também conta a estória de Carlos Rocha – filho de um mestiço que supostamente seria neto de Diogo Cão – e sua tentativa de fugir da escravidão que o ameaçava desde quando o pai, tendo perdido tudo que tinha para a bebida, resolveu vende-lo no próximo navio negreiro que partisse com destino ao Brasil.

As duas estórias se entrelaçam quando Carlos conhece e incorpora ao seu grupo Andrew Battel, um aventureiro inglês que havia desertado do exército do Capitão Mor e, temendo seu destino caso fosse capturado, também empreende uma fuga para o interior, estabelecendo relações com vários potentados locais. Depois de se juntarem a um grupo de jagas – ferozes guerreiros de dentes afiados – a trupe segue em direção ao sul para tentar uma embarcação que possa ajudar a fuga do kingreje, como Battel era chamado pelos africanos.
Enquanto isto, Manuel Cerveira Pereira, depois de muitas aventuras e desventuras, segue para o sul atrás das terras onde ouro e prata poderiam ser facilmente encontrados e que, segundo as informações obtidas, ficariam ao sul de Luanda, depois da serra com formato de um sombreiro. Sua busca vai torna-lo conquistador de Benguela, seu governador e, por pouco, não cobra como preço a sua própria vida, depois que alguns dos colonos e soldados que o acompanhavam se amotinam e o põem para correr da nova colônia. Também vai coloca-lo frente a frente com Carlos Rocha e o inglês.

O romance nos permite conhecer o esforço – às vezes ridículo – de transplantar para a nascente colônia as estruturas de poder e as disputas de interesse que consumiam a corte portuguesa. As figuras do juiz, do capitão mor, do governador que nunca chegava, dos padres da Companhia de Jesus ou do Bispo de São Salvador do Kongo, a quem a paróquia de Luanda estava jurisdicionada, assumem uma perspectiva para lá de interessante quando olhada desde a precariedade das condições que a colônia oferecia e da pouca importância que os ngolas e sobas africanos davam aos rapapés e salamaleques da burocracia ibérica.
O  estranhamento que os portugueses experimentam ao se confrontarem com culturas e com racionalidades completamente diferentes das suas (como a dificuldade de entender porque em muitas das nações africanas o sucessor do “rei” era o filho mais velho de sua irmã mais velha e não o seu filho mais velho) e a difícil adaptação às condições climáticas e aos hábitos alimentares do lugar são elementos a dar cor ao romance.

Interessante que da parte dos africanos havia igual estranhamento do modo como os portugueses se organizavam e viviam. O conceito de pátria, por exemplo, era absolutamente incompreensível, mesmo para aqueles africanos que por uma ou outra razão foram “civilizados” pelos europeus chegantes. A própria lógica civilizatória, baseada na propagação do evangelho cristão, era ininteligível para os locais, assim como os hábitos e regras daquele arremedo de sociedade que se formava nos assentamentos europeus que começavam a aparecer na costa africana e às margens de rios mais importantes como o Kongo e o Kwanza.
O livro de Pepetela é um abrir de janelas para melhor perceber a África, nossa história comum e a complexidade das relações entre nossos continentes. Não digo que me trouxe respostas – até porque não era esse o propósito do autor, tão pouco o meu – mas me deixou com tantas questões que me instigaram a ler mais sobre Angola e sobre a África que fala português.

Terminei o livro com a mesma sensação que deixei Luanda: em construção. Depois de ler Pepetela restou a convicção de que preciso voltar a Angola e que preciso mais da literatura africana.

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